Os bons resultados do Ceará na educação têm levado diversos governos do país a replicar um ponto central da política do estado para a área.
A destinação de parte da arrecadação de impostos aos municípios de acordo com os resultados das avaliações oficiais dos alunos já foi adotada em mais oito unidades da federação e está em análise em outras.
Emenda constitucional do ano passado que tratou do Fundeb (fundo de financiamento da educação básica) prevê também que as gestões estaduais aprovem até 2022 normas nesse sentido.
As leis estaduais deverão disciplinar a distribuição de ao menos 10% da cota municipal do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de acordo com indicadores de melhoria na aprendizagem e na equidade do sistema educacional.
Apesar dos bons resultados da política cearense na qual essa regra se inspira, ela mexe com uma questão bastante sensível, que é o próprio orçamento dos municípios, e por isso enfrenta obstáculos no Legislativo de alguns estados, como São Paulo.
Especialistas também ressaltam que a medida é apenas uma das responsáveis pela melhora dos resultados das cidades cearenses. Se mal desenhada ou implantada sozinha, pode até aumentar desigualdades.
O Ceará foi a unidade da federação que mais evoluiu nos anos iniciais do ensino fundamental entre 2005 e 2019, segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que leva em conta o desempenho dos alunos em avaliação federal e as taxas de aprovação.
Com apenas a 18ª renda per capita do país, o estado alcançou em 2019 o posto de terceira melhor rede pública de anos iniciais de ensino fundamental e a primeira melhor nos anos finais, empatada com São Paulo.
As colocações são fruto de um modelo que combina incentivo tributário a muito apoio técnico. Inspirada no caso de Sobral, a política foi lançada em 2007 e segue desde então, com algumas adaptações.
O raciocínio por trás da medida é relativamente simples: a alfabetização é feita nos anos iniciais da escolarização, em escolas usualmente de responsabilidade dos municípios.
Para a gestão estadual conseguir resultados na etapa, é preciso apoiar as prefeituras e incentivá-las a olhar para a área.
No modelo cearense, a cidade que consegue evoluir e é premiada com um valor extra do ICMS não precisa usar esse adicional na educação. Prefeitos podem gastá-la com asfalto ou saúde, por exemplo.
Mas a regra acabou virando um incentivo para uma melhor gestão e mesmo para maior investimento nas escolas -afinal, quem melhora mais, ganha mais
Diante do sucesso da medida, alguns estados passaram a replicá-la. Acre, Alagoas, Pernambuco e Sergipe aprovaram leis nesse sentido em 2019.
Posteriormente, na esteira da aprovação do Fundeb, tomaram iniciativas semelhantes Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Piauí.
A maioria prevê a destinação de 10% sob o critério da qualidade da educação, mas em Pernambuco o índice chega a 18%.
A replicação da iniciativa cearense preenche um vácuo deixado pelo Ministério da Educação no ensino básico, deixado em segundo plano em detrimento da pauta ideológica do governo Bolsonaro.
Diante da perda de protagonismo federal na área, o protagonismo passou a ser do Congresso e das secretarias de Educação, que têm feito um intercâmbio de programas e até de secretários.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) incluiu no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 a meta de “apoiar a inclusão do critério de melhoria do aprendizado educacional no Índice de Participação dos Municípios no ICMS”.
Desde o início da gestão do tucano a Secretaria da Educação paulista, liderada por Rossieli Soares, tem a intenção de aprovar projeto semelhante, mas a iniciativa esbarra em entraves políticos.
Projeto de lei apresentado pelo deputado Daniel José (Novo) para replicar o modelo de repartição cearense chegou a tramitar na Assembleia Legislativa, mas foi barrado pelos deputados em reunião conjunta das comissões de Educação e Finanças no final de 2020.
Segundo ele, a proposta incorporou diversas sugestões feitas pela equipe da Educação de Doria.
O relatório que embasou a rejeição, por sua vez, argumenta que não foi apresentado o impacto financeiro da medida sobre os municípios, em especial os menores.
O deputado, que reapresentou a proposta, diz que, se o Legislativo não reexaminar logo o tema, pode ser obrigado a fazê-lo em cima da hora, citando o prazo de 2022 dado pela emenda do Fundeb.
“São Paulo tem indicadores econômicos diferenciados do resto do país, mas na educação está empatado com estados com infraestrutura muito pior”, diz.
Um dos empecilhos à tramitação do projeto foi uma característica peculiar da rede pública paulista: grandes cidades como São Paulo e Campinas têm grande parte dos alunos do 1º ao 5º ano em escolas estaduais, e não municipais.
Para incentivar a municipalização dessas unidades, como ocorre em outros estados, o projeto do deputado dava um incentivo às redes com mais alunos.
O problema é que a municipalização custa caro às prefeituras, uma vez que os salários pagos por elas aos professores tendem a ser maiores do que os da rede estadual. Assim, houve resistência também de grandes cidades à proposta.
Procurada, a Secretaria da Educação da gestão Doria não quis detalhar sua posição sobre o chamado ICMS Educacional. Limitou-se a dizer que está desenhando uma proposta e tem prazo até agosto de 2022 para fazê-lo e afirmou que elaborou sugestões técnicas para o projeto do deputado do Novo, mas que a redação final coube a ele.
Diretor executivo do Todos Pela Educação e autor de pesquisa sobre as políticas educacionais de Ceará e Pernambuco, Olavo Nogueira Filho alerta que o incentivo financeiro, via ICMS, é importante, mas não suficiente.
“No caso do Ceará, o pulo do gato foi a combinação entre incentivos e investimentos no fortalecimento da capacidade das escolas”, diz. Ele alerta que, sem investimento e apoio aos municípios, o resultado da redistribuição pode ser mais desigualdade.
Fonte: Folha de S.Paulo