Uma em cada cinco bolsas integrais oferecidas em 2020 pelo Prouni (Programa Universidade para Todos) não foi preenchida, segundo levantamento feito pelo Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior). Naquele ano, 182.983 bolsas de 100% foram ofertadas.
A ociosidade de vagas ofertadas pelo programa é uma das justificativas do governo de Jair Bolsonaro (PL) para aprovar uma MP (Medida Provisória) que libera o benefício do Prouni a partir de 1º de julho de 2022 para alunos de escolas particulares sem bolsas de estudos.
“O governo deveria fazer um estudo de caso, entender essa política e ver quais são as falhas que não estão contemplando todos os alunos”, afirma Maria Isabel Souza, doutoranda em Educação pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). “O Prouni merecia um estudo para entender essa ociosidade”.
Levantamento da Frente Parlamentar da Educação, feito neste ano, apontou uma redução de quase 30% nas bolsas do programa de 2020 para 2021. No ano passado, o Prouni ofertou 420,3 mil oportunidades; agora, foram 296,3 mil.
O número de ofertas deste ano é o menor desde 2013, quando o programa ofereceu pouco mais de 253 mil.
Atualmente, apenas alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas ou com bolsa integral em colégios particulares podem se candidatar para as bolsas do Prouni. Com as mudanças, defendidas pelo Semesp, estudantes com bolsas parciais ou até mesmo pagantes também poderão ter acesso ao programa.
A MP também não prevê mais as bolsas de 25% do Prouni. Haverá apenas subsídios de 50% ou integrais.
Houve ainda alteração na reserva de cotas destinadas a negros, indígenas e pessoas com deficiência. Por enquanto, o programa somava os três grupos e oferecia as bolsas a partir desse número. Com a MP, será considerado o número de forma isolada -ou seja, o mínimo de negros, pardos e indígenas autodeclarados e o mínimo de pessoas com deficiência.
Para especialistas ouvidos pelo UOL, as mudanças no Prouni aumentam as chances do Brasil ter um ensino superior ainda mais elitista.
Em agosto, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que a universidade deveria ser para poucos. Dias depois, na Câmara de Deputados, ele alegou que não quis dizer que o filho do porteiro não pode ter acesso à universidade, mas que o país deveria avançar no curso técnico e profissional.
Recentemente, Ribeiro defendeu que se tem um negro que tem condição, é minoria, mas tem condição de acesso a estudar em boas escolas, ele não precisava de cota.
“Estamos vivendo a maior crise educacional que a educação básica já viveu. Colocar, nesse momento, no centro da discussão essa MP, quando há uma emergência, não faz sentido”, afirma Claudia Costin, diretora do Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais) e ex-diretora de educação do Banco Mundial.
Para diminuir a ociosidade, Costin afirma que o governo poderia diminuir a nota de corte para as bolsas, considerando que as escolas ficaram fechadas por quase dois anos. Além disso, um trabalho de nivelamento da aprendizagem poderia ser feito com os alunos da rede pública.
Fontes ouvidas pela reportagem dizem que a mudança assinada por Bolsonaro ocorreu após forte apelo do setor educacional privado. O ministro Milton Ribeiro é pastor e já trabalhou na Universidade Mackenzie, em São Paulo.
A presidente do Semesp, Lúcia Teixeira, avalia as mudanças como uma conquista .
“A medida vem ao encontro de uma série de propostas feitas pelo Semesp ao Ministério da Educação com o objetivo de diminuir o número de vagas ociosas do Prouni, que tem aumentado ao longo dos anos, além de aprimorar políticas públicas que promovam um acesso mais amplo e igualitário ao ensino superior”, afirma.
Os critérios econômicos de quem pode acessar o benefício seguem os mesmos. Os participantes também precisam ter feito o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), obter ao menos 450 de nota e não podem zerar na redação.
A edição de 2021 do exame nacional, porém, já registrou o menor número de inscritos, além da menor taxa de participantes negros e vindos de escolas públicas dos últimos anos .
Os alunos que têm interesse em participar do programa também não podem ter diploma no ensino superior.
Outra alteração criticada foi a possibilidade dos participantes não precisarem apresentar a documentação de comprovação de renda e da situação de pessoas com deficiência. Para isso, as informações devem constar em bancos de dados do governo.
“Não significa que a mudança busca, necessariamente, corrupção, mas nós vimos o que aconteceu com [as fraudes] no auxílio emergencial”, disse Costin.
Para Maria Isabel, é importante saber se essa base de dados estará atualizada e qual será usada para comprovação de todos esses dados. “Podemos tornar o processo mais ágil, mas precisamos entender se ele vai de fato comprovar todas as informações”.
Fonte: Portal UOL