No Dia do Orgulho LGBTQIA+ (28/6), os motivos de comemoração ainda são pequenos comparados aos casos de preconceito e violência sofridos no país. Nos ambientes escolares, há esforços para que o assunto seja amplamente debatido, o que se contrapõe às ações conservadoras.
Em Vitória (ES), um vereador ameaçou professora que propôs atividades voltadas para o Mês do Orgulho LGBT. Alunos organizaram protesto na segunda-feira (21/6) em defesa da professora.
Mas não são só esses os desafios. O isolamento e o ensino remoto também trazem novos desafios para a educação inclusivas de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexo, assexuais e outras (LGBTQIA+).
O deputado distrital Fábio Félix (Psol-DF) destaca que, além de evidenciar situações de vulnerabilidade social, o ensino remoto também fragiliza a população LGBTQIA+ pela falta da proteção trazida pela escola. “Esse contexto de pandemia piora esse processo e pode colocar a população LGBT numa condição ainda mais precária e de vulnerabilidade por não ter acesso à socialização, por não ter uma rede de proteção que a escola proporciona através dos professores, da equipe pedagógica”, explica.
“E muitas vezes as famílias não aceitam a sexualidade e têm comportamentos abusivos e violentos”, pontua o deputado. “É a escola que gera essa rede de proteção, porque, para muita gente, a casa é um lugar de proteção, mas para a população LGBT, infelizmente, nem sempre é”.
Espaço para ser livre
O estudante de filosofia da Universidade de Brasília (UnB) João Victor, 24 anos, também acredita que o ambiente de acolhimento no espaço físico da universidade faz falta. “Considero desconfortável participar das reuniões on-line porque geralmente sempre tem alguém perto, no mesmo cômodo, e infelizmente a maioria dos estudantes LGBTQI+ ainda vivem numa situação de preconceito dentro de casa”, pontua.
Ele se assumiu há um ano para a família e conta que a UnB o ajudou em um processo de autoconhecimento e aceitação da bissexualidade. “Com a vivência da universidade, a acolhida dos colegas de curso e um acesso maior às pautas de lutas da comunidade LGBTQI+, eu pude ver que realmente era necessário eu sair desse armário e mostrar ao mundo o orgulho que eu tenho de ser eu mesmo”, relata. “Pude perceber que ser livre é também um ato de resistência”.
João Victor foi o primeiro caso de covid-19 na UnB e conta que a universidade providenciou atendimento psicológico remoto. Ele aproveita para agradecer à Larissa, membro do comitê de crise da universidade. Segundo ele, o processo ajudou a lidar com o isolamento e as questões que ele traz à tona.
Escola nem sempre cumpre o papel de refúgio
Para Manoela Melo de Lima, 16, a escola, infelizmente, não teve o papel de acolhimento desejado. Assumida lésbica desde os 12, o primeiro momento foi delicado. “A minha casa e a escola eram os lugares que mais me prejudicaram, tanto que eu abandonei a escola por um tempo, então acho que a internet foi o meu refúgio”, recorda.
A jovem cursa o oitavo ano do ensino fundamental na educação de jovens e adultos (EJA). Por estudar com pessoas mais velhas, ela temia que fosse atacada de alguma forma, mas teve uma surpresa positiva ao perceber que as demais pessoas tratavam o assunto com naturalidade.
Vendo o ambiente escolar sob uma perspectiva diferente da vivida por João Victor, ela conta que o ensino remoto a fez sentir menos medo do preconceito que poderia sofrer.
Rede de apoio nas escolas
Natália Pires, 34, ouviu relatos de violência doméstica vindo de seus alunos do Instituto Federal de Brasília (IFB), campus Recanto das Emas, onde é professora no Técnico em Produção de Áudio e Vídeo. Nesses casos, a violência, principalmente verbal, era derivada da LGBTfobia. “(O isolamento) foi um fator bastante agravante assim nesse período de EAD. Muita gente sai de casa, vai morar com outras pessoas da família”, conta.
“Existe um desafio muito grande sem estar por perto fisicamente, porque muitas vezes a escola é um lugar de refúgio para essas pessoas que às vezes sofrem violências em casa, na rua ou em vários outros lugares”, explica. Ela também destaca que há um desafio em identificar quando os alunos não estão bem, tendo contato apenas de forma remota.
Para coordenar as iniciativas, o campus tem um Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual (Nugedis). “A gente percebeu estudantes que estavam sofrendo. Então, a gente procurava redes de apoio, de psicólogos que pudessem atender a distância, muitas vezes tentamos entrar em contato com familiares também”, relata.
Canais de atendimento aos estudantes
De acordo com a coordenadora da Diretoria de Diversidade da UnB (DIV-UnB) Suzana Xavier, a sexualidade em si não necessariamente afeta o desempenho dos estudantes que são LGBT. A falta de informação, porém, juntamente com o preconceito e a violência que é praticada contra essa comunidade, seriam o real problema, que segundo ela, parte de um conservadorismo muito violento e acaba por afetar não só o desempenho acadêmico, mas a própria existência.
Ela evidencia que o acolhimento na UnB é feito por uma equipe especializada, independente de ser alguém da área técnica, professor ou aluno, a equipe deve olhar essas condicionantes em torno do indivíduo: classe, raça, origens para avaliar essas condições.
Na Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Dasu-UnB) foi preciso uma readequação. Para isso, os canais de comunicação foram colocados à disposição dos estudantes, principalmente, do corpo técnico e da comunidade universitária. Canais como e-mails, WhatsApps, Instagram e Facebook.
Com o conhecimento dos canais de atendimento, houveram mais buscas pela diretoria, que manteve e reforçou parcerias com as ferramentas do governo. “A gente consegue auxílio emergencial para que se mantenham na universidade, para que não haja evasão. Nós encaminhamos também para redes internas. No caso para diretoria de saúde, se houver adoecimento, adoecimento mental, ambulatório trans, enfim, para rede interna da UnB e pra fora também quando é o caso”, finaliza.
Fonte: Correio Braziliense online