Um dos momentos mais importantes de uma partida de futebol é o intervalo. Ao fim do primeiro tempo, especialmente em um jogo tenso, como uma final de campeonato, cada equipe pode esfriar a cabeça no vestiário, rever sua estratégia, realizar substituições, ouvir recomendações dos treinadores. Bem aproveitada, essa pausa pode mudar completamente o desfecho da partida.
Creio que o mundo passa hoje por uma espécie de intervalo, um momento de profunda reflexão que será decisivo para as próximas décadas. Na política, na cultura, na economia ou na área ambiental, parece que estamos repensando nosso jogo, de olho no legado que deixaremos às futuras gerações. A educação, não seria diferente, também passa por uma séria reavaliação.
Historicamente, a humanidade produziu dois grandes tipos de sistemas educacionais. O primeiro oferecia uma formação personalizada, porém extremamente restrita. Refiro-me, por exemplo, aos círculos filosóficos da Grécia Antiga, ou aos tutores particulares da época do Renascimento, responsáveis pela educação dos jovens de famílias abastadas.
O segundo tipo é o da escola moderna, adotado até hoje: uma educação massificada e acessível a todos. Surgido na esteira da Revolução Industrial e do crescimento das cidades, esse modelo acabou transpondo para os bancos escolares valores mais caros ao ambiente da fábrica, como a padronização, a disciplina, a produtividade e a objetividade. Sua função é transmitir um mesmo conteúdo a todos os estudantes, submetendo-os em seguida a testes que medem, basicamente, capacidade de memorização. É um modelo que estimula a passividade dos alunos frente ao aprendizado.
Ocorre que, com o advento das novas tecnologias, assistimos ao surgimento de um terceiro modelo educacional, personalizado e também democrático. Temos hoje ferramentas que permitem a cada aluno construir seu próprio percurso de aprendizagem, sem que precisemos abrir mão do compromisso de oferecer educação para todos.
É urgente, portanto, repensar o papel da escola. De “vendedora” de conteúdo, ela precisa assumir as funções de mentora e mediadora da aprendizagem. A escola do futuro é aquela que pergunta quais são os sonhos e objetivos de cada estudante; que investiga como ele aprende melhor – por vídeo, por leitura, por aula presencial? E em quais horários? Com trabalhos individuais ou em grupo? É, por fim, uma escola que desperta a curiosidade, sem a qual não há aprendizagem verdadeira.
Com isso, muda também o papel do professor. Para além de compartilhar conhecimento, sua função é provocar, despertar o interesse dos alunos, acompanhar sua jornada de aprendizagem. O professor do futuro está mais próximo de um educador socrático, aquele que orienta os aprendizes nas suas investigações, de acordo com seus respectivos interesses.
Ele pode também recorrer a especialistas, pessoas apaixonadas por suas respectivas áreas, como fontes igualmente importantes de informação. Ou ainda trazer para a sala de aula o testemunho de quem vivencia os assuntos ensinados.
Não seria fantástico contar com um especialista em 2ª Guerra Mundial nas aulas de história, ou com o depoimento de uma mulher afegã nas aulas de geografia e atualidades? Esse tipo de contato, hoje muito mais viável com a ajuda das ferramentas digitais, não enriquece apenas o conteúdo, mas ajuda a despertar a paixão pelo conhecimento, tão decisiva para o processo de aprendizagem.
O que se desenha, portanto, é uma mudança completa de paradigma. Precisamos substituir a velha noção de sistema de ensino -um circuito fechado, centrado naquilo que a escola ensina- por “ecossistemas de aprendizagem”. Refiro-me, com isso, a uma concepção mais holística de educação, a ambientes estimulantes e acolhedores que oferecem ao aluno ferramentas com as quais ele próprio construirá seu conhecimento.
Nosso sistema educacional, público e privado, tem que se preparar para assimilar essas transformações enquanto há tempo. O futuro da educação brasileira não pode, afinal, ser decidido aos 45 minutos do segundo tempo. Que o momento atual, em que a sociedade planeja como será o mundo pós-pandemia, seja encarado como um final de primeiro tempo – o anúncio de um intervalo em que poderemos repensar nosso jogo.
Daniel Castanho, Presidente do Conselho da Anima Educação e membro do conselho da Escola Lumiar e da Escola Castanheiras
Fonte: Folha de S. Paulo