No último 19 de setembro o Brasil comemorou os 100 anos de Paulo Freire, o nosso mais importante educador. Sua obra no campo da alfabetização de jovens e adultos é reconhecida mundialmente. Não tive o privilégio de ser seu aluno, mas, enquanto reitor da Universidade Federal de Pernambuco, tive a honra de lhe conceder o título de Professor Emérito. Lembro-me de que, depois da solenidade, fomos almoçar, e aproveitei esse momento único para conhecer esse homem extremamente gentil e de grande sensibilidade humana.
O melhor presente que poderíamos ter dado ao nosso maior educador seria o de comemorar um Brasil livre do analfabetismo. Mas ainda estamos longe disso. Em pleno século 21, o Brasil ainda se debate com a questão do analfabetismo. No último 8 de setembro, foi comemorado o Dia Mundial da Alfabetização, criado, em 1967, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com o objetivo de discutir assuntos e questões ligados à alfabetização em todo o mundo, promovendo um amplo debate sobre a importância desse tema, principalmente em países que ainda têm taxas de analfabetismo elevadas, como é o caso do Brasil.
A alfabetização é a base de todo o processo educacional. No Brasil, ainda temos 11 milhões de pessoas de idade superior a 15 anos que não sabem ler nem escrever uma simples frase ou fazer uma simples operação matemática. Isso corresponde a 6,6% dessa faixa populacional. No Nordeste, esse percentual salta para 13,9%. A maioria tem mais de 60 anos de idade e vive na zona rural. Isso é muito triste, porque eventualmente essas pessoas podem morrer sem ter exercido plenamente sua condição cidadã. A meta do Plano Nacional de Educação (PNE) era chegar em 2015 à taxa de 6,5%; talvez consigamos chegar a isso agora em 2021; o principal objetivo é erradicar o analfabetismo até 2024. Mas, pelo andar da carruagem, não vamos conseguir atingi-lo.
Alfabetizar jovens e adultos não é uma tarefa simples, mas ela precisa ser feita. A educação, como prevê a nossa Constituição, é um direito de todos. É um dever do estado e da família oferecer, em colaboração com a sociedade, uma educação que faça as pessoas se desenvolverem plenamente ao longo da vida. E esses 11 milhões de brasileiros nem sequer conseguiram dar a largada nesse processo. Para ter êxito, é preciso um grande esforço de mobilização nacional, e quem fez isso pela última vez foi o ministro Cristovam Buarque. Pena que o pouco tempo na função não lhe tenha permitido o êxito esperado em erradicar o analfabetismo em nosso país.
Mas, além desses 11 milhões, há também aqueles brasileiros chamados de analfabetos funcionais – que não são capazes de compreender e interpretar um simples texto. Nesse caso, são 38 milhões – ou seja, 3 em cada 10 brasileiros na faixa etária de 15 a 64 anos encontram-se nessa condição. O país precisa olhar de modo mais atento para essa situação, pois coloca em risco o seu próprio futuro em um ambiente planetário no qual os países desenvolvidos conseguiram fazer isso há mais de um século, e agora se debruçam em questões de fronteira no campo da educação.
Para fechar a torneira do analfabetismo, o primeiro passo é alfabetizar a criança na idade certa, como faz o estado do Ceará – o que traz impactos importantes à redução da desigualdade social. Por exemplo, enquanto a chance de um filho de pai analfabeto também ser analfabeto é de 32%. Essa probabilidade cai para 0,2% se o pai tiver cursado o ensino superior; alguém cujo pai é analfabeto tem apenas 0,6% de chance de completar o ensino superior, contra uma probabilidade de 60% caso o pai o tenha completado.
Contudo, é importante ressaltar que, como dizia Paulo Freire, a alfabetização é mais, muito mais do que ler e escrever; é a habilidade de ler o mundo. É preciso estudar ao longo da vida, ter acesso a uma educação que prepare para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho.
É preciso cada vez mais criar a paixão (e não apenas o hábito) pela leitura, como dizia o nosso também saudoso Ariano Suassuna. O Brasil só será verdadeiramente independente quando for capaz de oferecer uma educação plena para todos os brasileiros. Mas estamos muito longe disso.
MOZART NEVES RAMOS – Professor emérito da UFPE e catedrático da USP de Ribeirão Preto
Fonte: Correio Braziliense online