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Negociados por cifras bilionárias, os grupos de ensino superiora distância têm um berço comum: surgiram em Santa Catarina e no Paraná, especialmente nos anos 1990. Dos dois Estados, saíram seis importantes instituições privadas de graduação online – Unopar, Uniasselvi, Uni-Cesumar, Uninter, Fael e Unisul – que tiveram como precursora a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Juntos, esses seis grupos privados têm cerca de 1,5 milhão de alunos matriculados em cursos on-line, o que representa 51,5% desse mercado, segundo levantamento da Hoper, consultoria de educação de Foz do Iguaçu (PR).

Todas essas faculdades já receberam aportes de investidores e com exceção da Uninter, de Curitiba, pertencem a grupos consolidadores. No total, as fusões e aquisições dessas instituições movimentaram mais de R$ 6 bilhões nos últimos 10 anos.

A transação mais recente foi a venda da UniCesumar, de Maringá (PR), por R$ 3,4 bilhões para a catarinense Uniasselvi. Antes disso, em 2012, a própria Uniassselvi havia sido adquirida por R$ 510 milhões pela Kroton que, três anos depois, vendeu o ativo por R$ 1,1 bilhão às gestoras de private equity Carlyle e Vinci Partners.

O mercado de ensino a distância começou a chamar atenção em 2011, quando a Kroton assinou um cheque de R$ 1,3 bilhão pela Unopar, universidade com sede em Londrina (PR). Na época, foi a maior transação de todo o setor de educação.

A origem desse cobiçado mercado – que cresce a passos largos desde a drástica redução do Fies – programa do governo federal de financiamento de cursos de graduação presencial – está ligada à universidade pública, mais precisamente ao departamento de engenharia de produção da UFSC. Foi lá, em meados de 1995, que foram dados os primeiros passos do segmento, que hoje conta com 2,94 milhões de alunos. Para efeitos de comparação, é praticamente o mesmo volume dos 3 milhões matriculados na graduação presencial, segundo estimativas da Hoper.

Essa história começou com a UFSC gravando cursos de engenharia de transporte em fitas VHS para a Confederação Nacional de Transportes (CNT). Quem esteve à frente desse projeto foi o jornalista João Vianney que, na época, trabalhava com marketing político e foi chamado pela universidade, onde fazia um mestrado, para repaginar o formato dos cursos encomendados pela CNT. “Eram 66 minicursos gravados em VHS, mas eles tinham sido reprovados pelo cliente, a CNT. A universidade me chamou para repaginar, modernizar esses cursos porque, na época, eu fazia marketing político e a qualidade das campanhas políticas na TV e novelas era o que havia de melhor em audiovisual”, contou Vianney, que hoje é consultor especializado em EAD da Hoper.

Em 1996, a UFSC lançou o primeiro mestrado de engenharia de produção a distância, sob coordenação do professor Neri dos Santos. Era um curso desenvolvido para funcionários da Siemens, que se reuniam num local para assistir às aulas transmitidas por sinal de telefone. Na época, a internet já estava nas universidades, uma vez que chegou primeiro ao universo acadêmico, mas ainda engatinhava. A transmissão ora era feita por sinal de telefone, ora por satélite e às vezes pela internet. “A imagem era muito precária. Os professores transmitiam do laboratório da universidade e os alunos iam presencialmente assistir às videoaulas em locais habilitados, como outras universidades públicas e comunitárias”, disse Santos, atualmente CEO do Instituto Stela, que trabalha com projetos de inovação.

Santos tem ainda em seu currículo outro mérito: foi o professor responsável pelo projeto de desenvolvimento da Plataforma Lattes, numa parceria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com o Stela.

Nos anos 1990, havia uma demanda em tomo da UFSC porque seu departamento de engenharia de produção era famoso no país por sua qualidade acadêmica – tinha conceito 5, a nota máxima na Capes. Mas era inviável todos os alunos se deslocarem até Florianópolis, onde fica a universidade. Ou seja, foi dessa demanda de um curso reconhecido pela qualidade que surgiram os primeiros cursos a distância no ensino superior.

Neri conseguiu um financiamento de US$ 440 mil da Finep, agência de fomento para projetos de inovação e pesquisa. Com esses recursos, o laboratório de engenharia de produção da UFSC deslanchou, adquiriu os mais modernos equipamentos de transmissão de sinal da época e foram criadas graduações online em várias áreas, como administração e pedagogia.

O ensino a distância da universidade catarinense ganhou tamanha fama que uma equipe do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), dos Estados Unidos, veio ao Brasil para um programa de capacitação. “Eles tinham um grupo de alunos em Singapura, era para um mestrado de engenharia”, contou Vianney.

Paralelamente a esse boom tecnológico em Santa Catarina, seu Estado vizinho, o Paraná, enfrentava o desafio de ter todos os professores da educação básica com diploma de ensino superior. Isso porque em 1997 foi estabelecida a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da educação nacional determinando que essa meta fosse cumprida no período de 10 anos.

“Dos 50 mil professores de 1ª a 4ª séries, apenas 15 mil tinham ensino superior. Era muito difícil cumprir essa meta. Conhecia o Neri da época em que estudávamos na França e o seu projeto na UFSC. Importamos esse modelo do ensino a distância e criamos a Universidade Eletrônica do Paraná para capacitar os nossos professores”, contou Ramiro Wahrhaftig que, nesse período, era secretário de Ciência e Tecnologia do Paraná.

Cerca de 4 mil professores foram capacitados. No entanto, o projeto não foi adiante por conta da mudança de governo. Wahrhaftig era secretário do então governador Jaime Lerner, que teve como sucessor Roberto Requião. “É uma pena que não foi um projeto de Estado e, sim, de governo, como acontece no Brasil. Num momento desses de pandemia, seria muito útil, para as escolas públicas”, complementou Wahrhaftig que também foi secretário da Educação do Paraná.

O legado não ficou para a rede pública. E, o setor privado rapidamente ocupou esse espaço. Em Santa Catarina, surgiram a Unisul e a Uniasselvi. “Já tínhamos graduação presencial e migramos para o EAD porque meu pai acreditava que essa metodologia era uma forma de dar acesso ao ensino superior para mais pessoas. Mas não foi fácil, na época, o preconceito em tomo do EAD era ainda maior do que é hoje, em especial na academia”, disse Malcon Tafner, filho do fundador da Uniasselvi.

No Paraná, o número de faculdades particulares nesse modelo foi ainda maior. A família La-francchi criou a Unopar em Londrina, a Cesumar foi erguida em Maringá, a Uninter em Curitiba e a Fael no município da Lapa. Uma curiosidade é que Unopar e Cesumar entraram nesse mercado de EAD por um acaso. Ambas tinham investido muito dinheiro em satélites para capacitar agricultores. Era uma época em que o agronegócio se profissionalizava, equipamentos modernos e caros eram lançados. Mas esse projeto não deslanchou porque não havia um volume relevante de pessoas habilitadas para esses cursos e o custo de transmissão das aulas era muito elevado, tornando essa capacitação inviável. Com isso, os fundadores da Unopar e Cesumar passaram a usar os satélites para cursos de ensino superior.

Muitas dessas faculdades do Paraná foram criadas por ex-alunos do cursos de EAD da UFSC. É o caso do reitor da Uninter, Benhur Gaio, que fez mestrado de engenharia de produção. A Uninter é hoje a maior instituição independente do segmento no país, com 382 mil alunos.

Estima-se que 2 mil pessoas fizeram o mestrado ou doutorado a distância da Universidade Federal de Santa Catarina.

Mas em 2002, no auge dos cursos de EAD, a Capes fez uma intervenção no mestrado EAD da UFSC, que reduziu o conceito 5 para 3, com a alegação que cada orientador só poderia ter um grupo de seis alunos, mas havia um número muito maior. Até então, esse mercado de EAD não era regulado. Ao mesmo tempo, a universidade tinha dificuldades para conseguir mais docentes para orientar a grande quantidade de alunos. A UFSC encerrou, então, a abertura de novas vagas. Depois, o programa de mestrado voltou a ter conceito 5, mas hoje a UFSC só oferece a modalidade presencial.

Fonte: Valor Econômico 

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