Tanto a pandemia quanto um forte processo de consolidação contribuíram para mexer no tabuleiro do setor de educação. Se antes os grandes grupos fortaleciam sua presença pelo ensino presencial, a necessidade de isolamento social obrigou a rápida migração para o online, quebrando a resistência à modalidade.
Com as peças do jogo de xadrez mudando de casa, a disputa pelo primeiro lugar do ranking das maiores empresas do setor caminha para ser ocupada pela companhia que melhor se posicionar diante das recentes mudanças, com fôlego para seguir no processo de consolidação.
Essas são algumas das conclusões de pesquisa sobre o setor de educação superior privada no Brasil, lançada ontem pela consultoria especializada no setor Hoper com os dados de 2020 e do primeiro semestre de 2021. No ranking das maiores companhias, uma empresa que nasceu dedicada ao ensino online está despontando entre as primeiras colocações, posicionando-se como candidata a ocupar a primeira colocação. A catarinense Vitru, dona da Uniasselvi, fez um dos maiores movimentos do setor ao levar uma das empresas mais cobiçadas do setor há vários anos, a UniCesumar, avaliada em R$ 3,2 bilhões. Com a aquisição, a Vitru passa a ter 635 mil alunos, ocupando agora a terceira posição. Em 2020, ocupava a sexta colocação.
Outra que deu um salto no ranking é a Ânima, dona da São Judas, que comprou os ativos do Brasil da americana Laureate, como a Anhembi Morumbi, e foi da 11.ª para a 5.ª posição. “A UniCesumar sempre teve uma educação semipresencial de muita qualidade, e a Uniasselvi também, mas ela com um posicionamento mais de massa, e a UniCesumar um pouco mais premium. Juntas, elas vão fazer uma cobertura de mercado espetacular. É quase imbatível no semipresencial”, afirma o presidente da Hoper, Willian Klein.
Nesse processo de mudança, o ensino presencial também precisará ser remodelado, diz Klein. “Os campi estão em transformação para ofertas de novas experiências. Eles precisarão prever ‘espaços maker’, incubadoras de startups e ambientes de trocas para os alunos.” A UniCesumar, fundada em Maringá (PR) há 40 anos, vai dar à Vitru um equilíbrio procurado por todo o setor. Além de cursos à distância com notas máximas no MEC, tem graduação em medicina – naturalmente, presencial. Esse curso, além de ter melhores indicadores de evasão e inadimplência, tem mensalidade média de R$ 8,5 mil. “Cada instituição tem muito a ensinar para a outra”, afirma o presidente da Vitru, Pedro Graça, que diz estar disposto a buscar a liderança do setor.
Líderes sob ameaça?
Por ora, porém, as primeiras posições seguem ocupadas pela Cogna, dona da Anhanguera, empresa que mais sofreu com a pandemia e vem enfrentando a desconfiança de investidores. Uma das razões é o endividamento e a demora para mudar a estratégia de negócio após o enfraquecimento do Fies – algo que transformou a dinâmica do ensino superior, já que muitas empresas cresceram ancoradas no programa oficial de financiamento.
Mas os problemas financeiros não vão mudar a estratégia da empresa, garante Roberto Valério, presidente da Kroton, que abarca a operação de ensino superior da Cogna. Ele diz que já está em andamento um processo de digitalização, acelerado pela pandemia. “Estamos vendo que os alunos do presencial estão com uma resistência de voltar às aulas todos os dias na universidade porque eles se adaptaram ao modelo (híbrido)”, diz.
A Cogna continua em reestruturação. Está avaliando todos os cursos para saber quais deles têm mais adesão ao presencial e ao online, além de tentar aproveitar melhor o espaço físico dos campi, já que o ensino híbrido vai virar uma realidade para alunos também do presencial. “Estamos renegociando aluguéis e encerramos 45 unidades próprias. Isso significa que a nossa estratégia é investir cada vez menos em prédios e mais na distribuição do ensino”, diz Valério.
Cautela
Os investidores ainda estão com o pé atrás com o mercado brasileiro de educação, que anos atrás já foi considerado uma aposta segura na Bolsa. Todas as empresas do setor listadas na B3 apresentam queda nas ações no ano. A maior é a da Cogna, com baixa de 32% desde janeiro e mais de 70% em 12 meses.
Para Daniel Damiani, sócio da JK Capital, os números podem mudar com o avanço da vacinação no Brasil. “O setor está mais descontado do que deveria. É verdade que tudo pode acontecer, mas as empresas já estão se readequando ao novo momento.”
Yduqs defende posição com curso a distância
Outra força do mercado de educação, a Yduqs – antes conhecida como Estácio, vice-líder em matrículas e primeira colocada em receita líquida – vem conseguindo crescer mesmo em um ambiente difícil, afirma Willian Klein, da consultoria em educação Hoper. Segundo o consultor, por essa razão, o grupo tem vantagem em relação à sua principal rival, a Cogna. Já experiente no ensino a distância, com cerca de 400 mil alunos, a Yduqs, acredita que esse seguirá como um pilar importante de crescimento, principalmente pelo custo mais baixo e facilidade de acesso ao interior do País.
Apesar de o pilar do ensino online ser muito importante, Eduardo Parente, presidente da Yduqs, acredita que a pandemia veio para confirmar a necessidade do ensino presencial. “Cerca de 85% dos alunos do EAD preferiam estar no presencial, mas fazem o EAD por falta de dinheiro, acesso ou tempo”, diz.
Com a compra da rival Laureate, a Ânima também cresceu na educação online, ganhando 61 mil estudantes na modalidade. A companhia, porém, prefere não entrar na briga do presencial versus a distância. “Muitos não entenderam o nosso movimento, mas queríamos sair da dicotomia de que o EAD tinha baixo tíquete e qualidade inferior para um modelo híbrido, em que o estudante iria escolher o quanto e como ele usaria”, diz Marcelo Bueno, presidente da Ânima.
Fonte: O Estado de S. Paulo