Quando a Coursera trocou os escritórios pelo home office, em março de 2020, o CEO da empresa, Jeff Maggioncalda, já previa que os funcionários nunca mais voltariam a um modelo 100% presencial. “Sabíamos que muitos iriam querer continuar trabalhando em casa pelo menos alguns dias por semana. As pessoas odeiam o deslocamento”, diz ele. Hoje, mais de um ano depois, a companhia se planeja para adotar um modelo de trabalho híbrido e flexível. E não se trata apenas de deixar as equipes felizes. Se tentarmos obrigar as pessoas a voltarem ao escritório e os nossos concorrentes não, as pessoas vão pedir demissão e ir trabalhar para eles.
A onda de pedidos de demissão vista nos Estados Unidos, onde fica a sede da empresa, mostra que há razões para se preocupar. Apenas em abril deste ano, quatro milhões de pessoas deixaram seus empregos no país. A disponibilidade de vagas remotas e flexíveis, embora não seja o único motivo, foi um impulso para que muitos buscassem novos empregos. Além de temer a perda dos seus talentos, o executivo vê oportunidades no movimento: atrair profissionais insatisfeitos com o modelo de trabalho rígido das suas companhias. Na sua perspectiva, o cenário todo também favorece o modelo de negócio e os resultados da empresa.
A plataforma de cursos online da Coursera tem hoje 82 milhões de usuários. Deles, 47 milhões se matricularam no último ano. A necessidade de migrar os estudos para o ambiente digital explica, em grande parte, o crescimento registrado no período. Mas Jeff acredita que o home office também estimula o interesse pelos cursos. “Se você está em uma cidade que não tem muitos empregos disponíveis, aprender uma nova habilidade não é tão atrativo. Se você pode conseguir um emprego remoto em outra cidade, aprender novas habilidades se torna mais valioso”.
Dos cerca de 3,2 milhões de usuários brasileiros da plataforma, cerca de 2 milhões se cadastraram depois do início da pandemia. Os cursos mais buscados abordam temas de negócios e tecnologia, como marketing, ciência de dados e programação. Com a pandemia, o perfil dos usuários passou por algumas mudanças. As mulheres passaram de 30% para 46% do total de matrículas. Nos cursos de STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na sigla em inglês), o percentual subiu de 27% para 38%. Dados que, para Jeff, chamam a atenção. “Estamos esperançosos que as mulheres que deixaram o mercado de trabalho na pandemia possam usar essas habilidades para conseguir os novos empregos remotos e flexíveis que estão surgindo”.
Os profissionais em busca de um novo emprego não são os únicos interessados nos cursos. “Todo profissional precisará continuar aprendendo coisas novas ao longo da sua carreira. Alguns farão um mestrado, outros voltarão à faculdade para obter um diploma de bacharel. Mas muitos buscarão certificados mais curtos em certas disciplinas”, diz Jeff. Pergunto a ele se essa tendência põe em xeque as universidades. A resposta é relativa. “Se o ensino superior não for capaz de se adaptar, então sim, eu acho que menos pessoas irão para as instituições tradicionais”. A empresa, vale dizer, também buscou atacar essa frente. Em 2019, lançou o Coursera for Campus, uma plataforma que permite às universidades oferecer cursos da plataforma como parte do currículo.
E se as universidades precisam correr atrás do prejuízo, as escolas não ficam para trás em termos de desafios. Um relatório divulgado pela Coursera em junho deste ano trouxe o Brasil na 57ª posição global em proficiência em habilidades digitais, considerando o desempenho dos alunos do país nos cursos da plataforma. Entre os países da América Latina, ficamos em quinto lugar. O estudo também identificou atrasos no aprendizado de matemática por parte dos alunos brasileiros. “Se as crianças não aprendem a ler e a somar, não importa o quanto o Coursera está ali. Elas não conseguirão se tornar cientistas de dados”, diz. “A educação infantil está se tornando cada vez mais importante, porque se você não tem a base, não vai conseguir usufruir de nenhum dos aprendizados disponíveis em plataformas como a Coursera”.
Fonte: Época Negócios online