Elisabete Logatto finalmente pôde, aos 62 anos, concretizar o projeto de vida que traçou lá na juventude: fazer faculdade. A jovem senhora, divorciada e já com os três filhos criados, se dedica inteiramente às aulas de História. No 5º período da Universidade Estácio de Sá, em Madureira, na Zona Norte do Rio, ela divide com colegas mais jovens os desafios do ensino superior, mas com a experiência e o tempo a seu favor.
“Meus colegas trabalham e eu tenho todo o tempo. Então faço os trabalhos de grupo e coloco o nome deles. O que me custa?”, diz Elisabete, com a tranquilidade de quem domina o campus e, ao mesmo tempo, realiza um sonho.
Um sonho já ao alcance de milhares. Hoje, 27 mil idosos fazem cursos universitários no Brasil, segundo dados do Censo de Educação Superior de 2019, o mais recente disponibilizado pelo Ministério da Educação. Mesmo sem estatísticas atuais, a expectativa é de que o fenômeno tenha crescido com a pandemia. De 2015 a 2019, o total de idosos em universidades cresceu 48%. No mesmo período, a alta de ingresso de alunos com menos de 59 anos foi de apenas 7%. No ensino a distância, também houve um salto.
O jornalista Boris Casoy é mais um que decidiu ocupar suas tardes com uma nova formação: medicina veterinária. “O semestre começou há um mês e estou achando mais difícil do que imaginava. Estou penando em algumas matérias! Já fiz o secundário (atual ensino médio) há muitos anos e estou tendo dificuldade em química, por exemplo, na parte celular”, conta Casoy, que concilia os estudos com um programa jornalístico diário em seu canal de YouTube.
Ao contrário de jovens, muitos adultos com mais de 60 anos não buscam sucesso profissional, porque alguns já se realizaram em outras carreiras. Consagrado como âncora na TV, Boris, por exemplo, não pensa em abrir uma clínica veterinária depois da formatura. Ele faz piada sobre o futuro. “Mentalmente estou louco como sempre”, ri. “Fisicamente, hoje estou bem. Mas não sei como estarei daqui a cinco anos. Falo para o veterinário dos meus vira-latas que vou ser assistente dele. Não queria ser o idoso que bota o chinelo”.
Formados, esses estudantes mais velhos focam no que é prioritário, o que muitas vezes, não é ter dinheiro, de acordo com a antropóloga Mirian Goldenberg, que acompanha esta nova geração de idosos: “Essas pessoas, quando envelhecem, começam a estudar pensando nesse propósito, nesse projeto. Algo que estava sublimado porque precisavam ganhar a vida e reaparece quando se aposentam”.
Pai e filha na faculdade
Em Feira de Santana, na Bahia, Décio Almeida Silva, de 66 anos, brinca que começou a faculdade antes de a filha nascer e vai se formar depois dela. Não porque foi devagar. Mas porque foi fazer Letras em 1996 e não conseguiu terminar diante de outras exigências da vida adulta. O estalo para voltar aos estudos aconteceu quando o oficial de Justiça errou a grafia de uma palavra simples. Perseverante, voltou à Universidade Estadual de Feira de Santana para conseguir o diploma em Português-Francês. Incentivado por uma amiga, que lhe sugeriu o curso, e apaixonado pela língua francesa, o que só cresceu após uma viagem a Paris, antes da pandemia, ele está aliando duas novas paixões com a escolha feita.
“Minha filha, que nasceu em 1999, está agora terminando Psicologia. Eu tenho algumas disciplinas para completar”, conta, orgulhoso de si. “Errar a grafia de palavras simples nunca mais”.
Estudos apontam que a educação para idosos, propiciada pelas universidades e fora dela, contribui para a manutenção de altos índices de satisfação com a vida e de sentimentos positivos. “Idosos que estudam relatam uma mudança na imagem social. Eles se valorizam mais”, avalia Meire Cachioni, coordenadora do programa USP 60+, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades.
De acordo com ela, além de ocuparem as vagas formais no ensino superior, os idosos também contam com cursos de extensão voltados para eles nas universidades. Segundo ela, existem mais de 200 programas desse tipo em todo o país. “Sabemos que na velhice o investimento para o processo de aprendizagem precisa ser diário e intenso. Nessa idade, existe uma mudança cognitiva em relação ao processamento da informação. A pessoa precisa, de fato, ver e rever sempre os conteúdos e ler muito”, explica.
Na casa de Moacir Candido da Silva, de 61 anos, já se fala em festa no fim do ano. Pastor evangélico, ele está se formando em teologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, depois de quatro anos de muito esforço. Nos dois primeiros anos de curso, ele saía direto do trabalho para as aulas e só chegava em casa depois da meia-noite. “No começo foi difícil, mas depois peguei o ritmo”, diz ele, já de olho num mestrado.
Fonte: O Globo online