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A estudante de medicina Girlene Soares, de Campina Grande (PB), é categórica ao dizer que o Fies “perdeu seu viés de inclusão social”. De um semestre para o outro, a parcela que a jovem precisa pagar diretamente à faculdade sofreu um aumento significativo: saltou de R$ 225 para R$ 946.

“Minha família é da zona rural. Eu comprovei a renda de um salário mínimo (R$ 1.320), mas agora preciso pagar quase isso por mês? Como que se vive assim?”, diz.

Os problemas do programa, apontados por Girlene e por outros estudantes ouvidos nesta reportagem, são resultado de ações tomadas pelo governo federal em 2016 (e mantidas até hoje) para tentar diminuir os prejuízos que o Fies traz aos cofres públicos.

Veja abaixo quais são essas medidas que, como consequência, levam alunos de baixa renda a pensar em desistir do curso:

  • 💰 Teto de R$ 8.800: Especificamente em medicina, o programa financia, no máximo, R$ 8.800 por mês, que devem ser pagos pelo aluno só depois da formatura. Mas as faculdades cobram bem mais do que isso: em média, R$ 10 mil (há exemplos que chegam a R$ 15 mil). A diferença precisa ser quitada a cada mês pelo estudante — é a chamada coparticipação, que está pesando no orçamento dos jovens mais pobres.

“Depois que atingimos o teto, toda vez que a faculdade reajusta a mensalidade, esse aumento recai sobre nós, alunos. Começou com 225 reais, agora já são 900 reais todo mês. Eu penso em desistir do curso, mas como que vou pagar a dívida que já assumi no Fies, se não me formar? Não vou nem ter profissão”, conta Girlene.

  • 💵 Porcentagem limitada de financiamento: De 2010 a 2015, o Fies financiava a mensalidade inteira dos alunos. Depois disso, a regra mudou: atualmente, a porcentagem de cobertura nunca chega a 100%. Tudo depende da renda familiar do estudante. Quanto menor o salário médio da família, maior a fatia da mensalidade que poderá ser paga só depois da formatura.

Exemplo: na mesma faculdade, que custa R$ 10 mil por mês, um estudante com renda familiar per capita de 1,5 salário-mínimo pode conseguir cerca de 85% de financiamento (e não 100%). Com 3 salários-mínimos (o máximo permitido para o programa), seriam só 58% financiados.

Essa questão afeta Gabrielle Gonçalves, aluna do 3º ano de medicina de uma faculdade privada de Paracatu (MG), cuja mensalidade é de R$ 9.558. Por causa dos critérios de renda, mesmo sem ter uma condição de vida confortável, a jovem conseguiu “apenas” 78% de financiamento – ou seja, precisa pagar R$ 2.103 todo mês.

“No começo, era mais barato. Eu pagava R$ 800, com a ajuda da minha família. Mas aí a faculdade aumentou”, diz Gabrielle. “Todo ano, há um reajuste, e a porcentagem de cobertura do financiamento não aumenta. Vai ficando insustentável. Estou escolhendo quais contas pagar no fim do mês”, diz.

Ao g1, o Ministério da Educação (MEC) afirma que está em curso um Grupo de Trabalho (GT) que estuda mudanças possíveis no Fies. Diz também que os recursos financeiros são limitados e que as regras acima listadas garantem a sustentabilidade financeira do programa (leia o posicionamento completo mais abaixo).

Nos últimos anos, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), as prestações atrasadas dos alunos levaram a um rombo nas contas públicas. São R$ 11,3 bilhões em parcelas que já deveriam ter sido pagas.

O QUE DIZ O GOVERNO?

O Ministério da Educação (MEC) afirma que tanto a criação do teto quanto o financiamento atrelado à renda são medidas que garantem a sustentabilidade financeira do fundo, “uma vez que os recursos são limitados e não devem ultrapassar a capacidade financeira do governo”.

As duas regras também buscam, segundo a pasta, “incentivar as instituições a oferecerem mensalidades mais acessíveis e competitivas” e “evitar o endividamento excessivo dos estudantes”.

Em março, o MEC instituiu um grupo de trabalho para refletir sobre mudanças estruturais do Fies.

QUANDO A SITUAÇÃO SAIU DO CONTROLE?

Camila Furlan da Costa, professora do curso de administração pública e social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que, entre 2010 e 2014, houve um “boom” do Fies: com critérios mais flexíveis e juros baixos, o número de novos contratos disparou.

Em 2016, estudos do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tesouro Nacional identificaram problemas nos custos do programa. Os altos índices de inadimplência dos estudantes causavam prejuízos aos cofres públicos, já que é o governo federal que fica sem receber o dinheiro, após atrasos nos pagamentos.

Nesse contexto, foram instituídas novas regras para o Fies – como, por exemplo, a criação desse teto no financiamento das mensalidades.

“Esses limites estão relacionados a uma tentativa de reduzir os custos do programa e de reduzir a inadimplência”, afirma Costa.

O QUE DIZEM AS UNIVERSIDADES PRIVADAS?

É importante esclarecer que, quando há um atraso no pagamento das parcelas após a graduação, quem arca com a dívida é o governo — as faculdades privadas não levam esse prejuízo.

Elizabeth Guedes, presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), defende que o teto do financiamento seja abolido para os estudantes com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo. “Todo ano, temos reajuste das semestralidades e o mesmo problema: alunos vulneráveis do ponto de vista financeiro precisando abandonar os estudos”, afirma.

A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) afirma que o ideal seria o “Fies 100%”.

Fonte: G1

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