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Como encontrar emprego neste novo e admirável mundo do trabalho? Nem Aldous Huxley, autor do livro “Admirável mundo novo”, seria capaz de responder esta questão. Podemos não virar a Londres distópica descrita na obra de Huxley, mas os avanços tecnológicos conduzem a um mundo completamente diferente do atual.

Além da mudança conjuntural no mercado de trabalho, como consequência da crise da Covid 19, está em curso (desde antes da pandemia) uma mudança estrutural, conforme apontado por Yuval Harari em um dos capítulos de suas 21 lições para o século XXI.

O cenário de desemprego criado pela pandemia contrasta com a falta de mão-de-obra em vários segmentos importantes. Segundo relatório da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, o déficit de profissionais nesta área pode chegar a 260 mil até 2024. O déficit de programadores seria da ordem de 150 mil.

O problema é global. Segundo a consultoria Gartiner, a escassez de talentos na área de tecnologia da informação constitui o principal fator inibidor da adoção de novas tecnologias. Mas no Brasil, a dificuldade ganha contornos dramáticos em virtude das deficiências de nosso sistema educacional.

Há uma disciplina básica para o mercado de trabalho que anda em falta: a matemática. O conhecimento de conceitos da matemática é essencial para as profissões do presente e do futuro. Na verdade, sempre foi, mas isso se acentuou com a economia digital. O Brasil anda mal nesta matéria. Na última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) em 2018 que reuniu 79 países; o Brasil ficou em 69º, com uma nota de 384, contra a média 489 da OCDE.

Não é por falta de interesse dos jovens brasileiros. A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), em sua última edição, em 2019, contou com nada menos de 18,2 milhões de participantes, cerca de 1,5 vezes a população da cidade de São Paulo.

Tampouco é por falta de dinheiro. O problema é que gasta mal e grande parte dos recursos fica perdido na máquina burocrática, não se traduzindo em benefícios concretos para o aprendizado dos alunos.

A falta de oportunidades não é apenas uma questão econômica. Apesar de sutil, é notório que alguns cursos, em especial os de ciências exatas, são tidos como áreas masculinas. Distorção análoga existe em relação à população negra. As estatísticas mostram um efeito discriminatório contra os negros no mercado de trabalho, reduzindo o pool de talentos a partir do qual os profissionais de matemática e programação podem ser recrutados.

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o salário médio no Brasil em 2020 foi de R$ 1.777,30. Algumas profissões no mercado financeiro em posições mais baixas que diretor também remuneram bem e não exigem ensino superior. Destaquem-se, por exemplo, os Agentes Autônomos de Investimento (AAI), cuja remuneração média mensal chega a R$4.048,00. Um AAI experiente pode receber até R$7.235,00.

O conteúdo programático da prova de habilitação para AAI, exige conhecimentos específicos do funcionamento do mercado financeiro e de matemática. Portanto, existem possibilidades que garantem uma remuneração elevada para os padrões brasileiros que podem ser alcançadas com domínio de matemática e com algum conhecimento específico.

O Brasil é sabidamente desigual. Mas na matemática, o tamanho do abismo é ainda maior. Não é preciso esperar uma profunda reforma no sistema educacional para começar a mudar esse estado de coisas. Cocal dos Alves, no Piauí, uma cidade de 6.168 habitantes e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito abaixo da média brasileira, ostenta 92 medalhas na Obmep, mais de três vezes o número obtido pela capital do estado, Teresina (30).

Como explicar o sucesso de Cocal dos Alves? O resultado veio da iniciativa de um professor em organizar um grupo de estudos, garantindo uma refeição por conta própria aos estudantes. O empenho deste professor foi suficiente para revelar vários talentos.

Cocal dos Alves não está sozinha. Muitas outras histórias evidenciam que se o Brasil investisse e estimulasse mais a educação, de uma forma prática e focada em disciplinas essenciais para a formação para o mercado de trabalho, haveria uma democratização de oportunidades. As iniciativas bem-sucedidas sugerem três passos essenciais: planejamento, conscientização e engajamento social mediante parcerias entre os setores público e privado.

Por fim, o salto educacional não ocorrerá meramente pelo sistema convencional. É importante engajar toda a sociedade neste esforço mediante parcerias como a que foram mencionadas aqui. Neste sentido é oportuna a iniciativa do projeto “Declare Independência”. “A iniciativa prevê um livro e um site “para discutir um melhor uso da matemática no nosso país”.

O planejamento requer fixação de metas de curto e médio prazo, visando a formação de profissionais com a qualificação necessária. Não é uma jornada fácil, mas é o único caminho para o desenvolvimento na era do conhecimento.

*Gesner Oliveira, pesquisador do livro Declare Independência – Como a matemática muda a vida no Brasil. Pesquisador e economista da FGV
Fonte: Estadão online

 

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