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Os projetos de formação de leitores existem no Brasil, em sua maioria, graças ao esforço da sociedade civil, que usa seus próprios recursos financeiros e humanos para dar andamento às suas ações, aponta a pesquisa O Brasil Que Lê, feita pelo Instituto Interdisciplinar de Leitura (iiLer) e pela Cátedra UNESCO de Leitura da PUC-Rio, em conjunto com o Itaú Cultural e com a consultoria da JCastilho.

Os resultados do levantamento foram apresentados nesta quinta-feira (3/3), quando os pesquisadores envolvidos em sua realização destacaram a ausência de investimento por parte do governo federal nesses e em outros projetos de formação de leitores e alertaram para a necessidade de criar e fortalecer políticas públicas nesta área – um caminho que vinha sendo trilhado, conforme explicou José Castilho Marques Neto, professor e consultor especializado na questão do livro e da leitura, mas que começou a ser interrompido em 2016.

Castilho, que foi secretário executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e dá, informalmente, nome à Lei 13.696, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), sancionada por Temer em 2018, diz ainda: “Estamos no último ano do atual governo e nada foi feito. Ao contrário: tivemos processos destrutivos. O que era Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca se transformou, ainda no governo Temer, em um departamento, com pessoal diminuído. Hoje, pouquíssimas pessoas seguem no departamento, sem verbas”, comenta.

“Mas isso não significa que o Brasil está parado e que os eixos do Plano Nacional do Livro e Leitura, os valores desse pacto social que remonta a 2006, não estejam acontecendo. Pesquisas como essa e como a Retratos da Leitura no Brasil vêm corroborar essa tese que a sociedade civil brasileira e as instituições e poderes locais continuam atentos à questão. A grande lição é constatar que nada sairá do atual governo, mas que o Brasil não parou. O Brasil ainda quer ler mais”, completa o professor.

Idealizada em 2019 e realizada em 2020, de forma remota por causa da pandemia da covid-19, a pesquisa O Brasil Que Lê teve o objetivo de mapear as iniciativas em prol da leitura, traçar o perfil dos mediadores de leitura, conhecer sua sustentabilidade e identificar tanto as tecnologias usadas quanto o público a que se destinam. Ao todo, 997 formulários foram preenchidos – muitos deles de forma incompleta ou por iniciativas que se caracterizavam mais como ação do que como um projeto propriamente dito, e acabaram desconsiderados. No fim, foram identificados 387 projetos, de quase todos os estados – Acre, Alagoas e Sergipe não foram incluídos por falta de participação, não exatamente de projetos.

“Nossa ideia era mapear a potência da resiliência dessas instituições. Por que continuam dando certo? Quais as características da gestão? Gerar dados é fundamental para fomentar o estoque de conhecimento para a criação de políticas públicas e de ações de outras instituições, mas, acima de tudo, para não deixar esse país ser desinstitucionalizado em diversas áreas”, comenta Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. “Mas a área da cultura é resiliente e potente e temos, de alguma forma, superado essas investidas contra o mundo da arte da cultura”, diz ainda o gestor.

Os principais dados da Pesquisa O Brasil Que Lê

A pesquisa foi coordenada por Denise Ramalho, feita por uma equipe multidisciplinar formada por mulheres e mostrou que pelo menos 74% dos projetos identificados são liderados por mulheres.

Na maioria dos casos, as atividades são desenvolvidas por pessoas físicas (42,1%) e bibliotecas (34%).

Entre os mediadores, 60,2% são professores; 53,1%, contadores de histórias; 42,4% fazem mediação em eventos culturais; e 31,4% são bibliotecários.

Quase a metade, 44,7%, atuam voluntariamente e 39% utilizam recursos próprios para levar adiante os seus projetos. A metade deles (50,7%) têm qualificação para a tarefa que desempenham, mas 9,4% não têm formação específica.

A pesquisa identificou também as maiores dificuldades enfrentadas por essas iniciativas, e tudo piora com a falta de recursos financeiros (76,7%), de recursos humanos (42,5%) e de itens de acervo (37,7%).

Em sua maioria, os projetos são realizados em instituições (44,2% em bibliotecas e 42,75% em escolas públicas). Muitos, porém, usam espaços não-formais, como ruas, praças e hospitais.

Entre os projetos que seguem acontecendo, há alguns que vêm desde a década de 1950, e em sua apresentação Denise Ramalho destacou que houve um aumento significativo no número de iniciativas a partir dos anos 2000.

Chamou a atenção dos pesquisadores o surgimento de 16 projetos, sobretudo onlines, na pandemia. “Na pandemia e por causa da pandemia”, ela ressalta. “As pessoas estão vendo a leitura como uma saída, uma forma de refletir e de pensar sobre este momento”, diz.

O levantamento questionou ainda a origem desses projetos. Quando somamos aqueles que vêm da sociedade, temos um total de mais de 57%, o que leva a coordenadora da pesquisa a concluir que, sim, os projetos de leitura hoje têm a sua origem em ações da sociedade. Mas quando ela diz isso, não avalia apenas esse dado – ela pondera que os 28,5% que responderam que seus projetos tiveram uma origem pública disseram, na resposta, que essas inciativas acontecem em escola pública, universidades, bibliotecas. Portanto, eles entenderam que a origem do projeto era pública, mas a maioria existe por causa de indivíduos, grupos ou coletivos, ela explica.

Além disso, 48% disseram que tinham parceria com instituição pública. No entanto, isso não ocorria no âmbito de nenhum projeto ou era ligado a nenhum tipo de política pública. Na opinião da pesquisadora, essa parceria poderia significar uma ligação com universidades que dão alguma formação ou instituições como Ministério Público ou Defensoria Pública, que apoiavam ou convidavam os projetos a participar de alguma ação que estavam desenvolvendo, por exemplo. “Não era uma parceria institucionalizada.  E a grande maioria, mais de 86%, apontam para parcerias dentro da sociedade civil, com outros projetos e instituições privadas.”

Nas regiões Sul e Sudeste, os projetos estão concentrados nas capitais e regiões metropolitanas. No Norte e Nordeste, no interior. Isso sugere, de acordo com os pesquisadores, que as ações do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), criado no início dos anos 1990 e pautado na formação de mediadores de leitura, ainda dá frutos.

Na pandemia, a tecnologia foi uma aliada, uma vez que muitos desses projetos funcionavam em escolas e bibliotecas, que passaram meses fechadas. O Facebook é a rede com maior popularidade – 62% das iniciativas estão lá. Em seguida, o Instagram, com, aproximadamente 60% de projetos, e o YouTube, com 37%. O WhatsApp também é popular – 57% dos projetos utilizam a plataforma, sendo que destes, 30% são projetos totalmente desenvolvidos no próprio aplicativo.

Dos projetos, 23% têm abrangência nacional e outros 23%, comunitária; 14%, estadual; e 28% municipal, além de distrital (0,26%) e institucional (10%).

As crianças e os estudantes são o público-alvo prioritário (66,7%), mas há projetos para todas as faixas etárias e públicos, como pessoas com deficiência, hospitalizadas, indígenas, quilombolas, refugiados. Interessante que 20% são focados em bebês e 53,9%, em idosos.

Agora mapeados, esses projetos de formação de leitores serão incluídos na plataforma Cartografias da Leitura, do iiLer, para que fiquem visíveis uns para os outros para que eles possam se comunicar e interagir, de acordo com Gilda Carvalho, diretora do iiLer/Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio. Para ela, um dos objetivos da pesquisa foi, após a Retratos da Leitura ter identificado os hábitos de leitura dos brasileiros, saber, agora, quem são as pessoas que estão formando os leitores País afora.

Fonte: Estadão Online

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