Notícias

Img

Com quase dois anos de pandemia, ainda são minoria as universidades brasileiras que já retornaram ao ensino presencial em todas as suas atividades, diferentemente do que ocorre nas escolas. E isso ocorre tanto nas universidades públicas quanto nas privadas. Das mais de 60 universidades federais do país, apenas duas estão 100% presencial e outras três se encontram em funcionamento completamente remoto, segundo informações da reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Pires de Carvalho. O Painel Covid do Ministério da Educação aponta que, na graduação, são 14 instituições no formato remoto, 16 no híbrido e seis no presencial. Não há informações para as demais universidades neste levantamento.

As universidades federais só começam agora a adotar lentamente as aulas presenciais em sua totalidade, ainda impactadas por um ano letivo desencontrado do ano calendário. A razão desse “desencontro” está em ritmos diferentes adotados para o início das aulas remotas em 2020. Na época, houve unidades que ficaram até mais de seis meses com o calendário parado de forma a garantir alternativas para que todos os alunos tivessem acesso a internet e computador.

Nesta semana, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) voltou ao formato presencial para todas as atividades de ensino, pesquisa e extensão. O mesmo está previsto para março em outras, como Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Na UFRJ, será em abril, quando começa um novo semestre. Por enquanto, o formato é híbrido, com 41,5% das disciplinas totalmente remotas, 55,8% híbridas e apenas 2,6% totalmente presenciais.

No setor privado, instituições como PUC-SP e PUCRio, Fundação Getulio Vargas e Ibmec só agora retomam as aulas presenciais para a graduação, após permanecerem no formato remoto desde 2020. Em outras, como o Insper, a Estácio e as da Kroton (Anhanguera, Unic, Unime, Uniderp, Unopar e Pitágoras), houve atividade presencial, mas a volta integral ocorre agora.

De um lado, há críticas sobre a demora na retomada das aulas presenciais, ainda mais porque em muitos locais os professores universitários também fizeram parte dos grupos prioritários para vacinação, e o impacto para a formação dos estudantes. Muitos dos alunos que entraram para o ensino superior no primeiro semestre de 2020 mal estiveram nas salas de aula.

Do outro, gestores de universidades públicas justificam a situação citando necessidade de vacinação completa dos jovens, poucos recursos para adaptação das unidades aos protocolos contra a covid-19, o fato de muitos estudantes morarem em outras cidades (diferentemente das escolas, o que dificulta a programação para a volta) e uma instrução do Ministério da Economia que permite que todos os servidores com mais de 60 anos e aqueles com comorbidades, em qualquer faixa etária, se mantenham no trabalho remoto, dificultando a organização das aulas.

O presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Marcus Vinícius David, explica que a realidade das universidades em todo o país é muito diversa. Segundo ele, o calendário de vacinação foi desigual em todo o país, o que dificultou a retomada do presencial no segundo semestre de 2021. Além disso, o desencontro do calendário das universidades também tem dificultado, já que as decisões são tomadas a cada semestre.

“São várias especificidades do sistema de educação superior, que é muito diferente da educação básica. Nas universidades, os alunos não necessariamente moram naquela cidade, há muitos de outras cidades e Estados. A programação para o semestre não pode ser feita de uma hora para a outra, isso afeta o aluno, inclusive em custo”, diz ele, acrescentando, ainda, a influência da redução do orçamento das universidades federais. “O governo usou uma estratégia econômica de redução do orçamento. Só que essas medidas tiram muito da liberdade para retorno ao presencial. Eu me adequei com contratos terceirizados, como de limpeza. E há a questão da instrução normativa que garante que servidores com mais de 60 anos e também aqueles com comorbidade permaneçam no remoto. São elementos importantes nessa complexidade de organização do processo”, defende David.

A instrução normativa 90, de 28 de setembro de 2021, é apontada por gestores de universidades públicas como um dos principais desafios para a retomada do presencial. “Todos os servidores acima de 60 anos podem decidir ficar no remoto. A instrução não considera a vacinação e inclui uma série enorme de comorbidades. Até tabagismo entra”, diz o presidente da Andifes, que revela já ter pedido ajuda ao Ministério da Educação para reverter essa legislação, que aprofunda as dificuldades logísticas para a retomada.

Pró-reitora de graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cintia Inês Boll, também cita o descolamento entre o calendário e o ano letivo, mas acrescenta que há regulações e resoluções a serem cumpridas e não pode haver alterações repentinas. No caso da UFRGS, foi decidido em abril que o primeiro semestre letivo de 2021 seria com formato híbrido e o segundo semestre (que é realizado agora neste início de 2022) teria um máximo de 50% de atividades presenciais.

“O que é às vezes é entendido como demora pela sociedade não é. A questão do presencial e da organização é muito complexa. A gente entende que é necessário [o ensino presencial], mas tem também toda uma perspectiva que envolve a organização das universidades. E as nossas organizações são semestrais. […] É impossível que o professor apresente um plano de ensino para o estudante para aquele semestre e depois troque em algumas semanas. Não existe uma receita mágica ou melhor, existe o que foi possível fazer na emergencialidade”, diz ela.

Professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Remi Castioni critica a letargia das universidades públicas no retorno ao ensino presencial. No ano passado, ao lado de colegas, escreveu um estudo em que fala sobre a demora na adesão às aulas on-line no início da pandemia. Agora, diz que vê novamente letargia para esse retorno ao presencial. Ele critica a falta de liderança do Ministério da Educação e as disputas políticas nas universidades, que prejudicam esse retorno.

“Faltou liderança do Ministério da Educação. No vazio, quem legislou e protagonizou as principais iniciativas foi o Conselho Nacional de Educação [CNE], mas em que pese o conselho ter defendido o retorno às escolas, a maioria das universidades está ainda no remoto. As universidades públicas ficaram para trás, com exceção das paulistas”, afirma ele.

Mais recentemente, o Ministério da Educação tem declarado, em notas oficiais, que é a favor do retorno das aulas presenciais nas universidades, mas que respeita a autonomia de cada uma delas.

Mais uma polêmica, segundo Castioni, tem dificultado o retorno das universidades, que é a exigência ou não de comprovação da vacinação. Embora defenda o passaporte, diz que ele acaba sendo mais um obstáculo. “Essa letargia [observada no início da pandemia] continua para a retomada do presencial. Muitas universidades caíram agora numa guerra interna de exigir passaporte de vacinação, isso também dividiu a comunidade”, diz.

Presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), Elizabeth Guedes, reconhece que poucas das universidades particulares estão com ensino 100% presencial – e cita como razão os professores e alunos de grupos de maior risco para a covid-19, além do cancelamento de feriados. Mas diz que a situação das instituições de ensino privadas é completamente diferente das públicas no que se refere ao formato de ensino uma vez que têm as plataformas e a estrutura para manter os cursos de forma remota e com conteúdo pedagógico de qualidade. “A situação de insegurança é muito grande. Até o Carnaval foi cancelado”, afirma.

Fonte: Valor Econômico

Remodal