O cenário era de enxugamento de custos e otimização de processos. Ao mesmo tempo, estava em curso uma inevitável transformação tecnológica. Antes da Covid-19, as instituições de ensino superior da América Latina já enfrentavam desafios como a busca por flexibilização regulatória, contratação de capital humano, qualidade do ensino, letramento tecnológico e redução da evasão. Essas eram (e continuam sendo) preocupações constantes para quem busca se destacar em um mercado altamente competitivo.
Apesar dos obstáculos que persistem, existem diversas IES latino-americanas que têm conseguido responder à altura das disrupções trazidas pelo século 21 – agora aceleradas com a pandemia. Basta conferir, por exemplo, uma compilação produzida pelo Times Higher Education Latin America University Rankings, que traz uma análise com dados levantados junto às melhores universidades públicas e privadas da região.
As 177 instituições avaliadas ficam em 13 países. O Brasil é o mais bem representado, com 67 IES no ranking de 2021. USP e Unicamp ocupam, respectivamente, o segundo e o terceiro lugar na classificação geral. A liderança fica por conta da PUC do Chile, país vice-líder do ranking, com 28 universidades. Outras nações de destaque são a Colômbia, com 24 universidades, e o México, com 23.
Por outro lado, no ranking global de 2022, já publicado pelo Times Higher Education, não há uma única universidade latino-americana entre as 200 melhores. Cabe lembrar que a América Latina representa 8,5% da população mundial e produz 8,7% do PIB do planeta.
Com a persistência da pandemia, pode ser difícil compreender plenamente os movimentos necessários para superar a crise que afeta o ensino superior latino-americano. Por isso, o portal Desafios da Educação joga luz ao atual contexto das IES no Brasil e na América Latina, ouvindo especialistas no assunto e apontando possíveis caminhos. Acompanhe:
As IES brasileiras enfrentavam dificuldades econômicas desde 2015. Conforme Gustavo Hoffmann, consultor da +A Educação, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) era um dos principais responsáveis pela inadimplência de aproximadamente 1 milhão de estudantes. “Isso já colocava as instituições de ensino com a corda no pescoço do ponto de vista de custo e necessidade financeira”, explica.
Na esteira da Covid-19, veio o aumento exponencial dos índices de evasão. Conforme o Mapa do Ensino Superior no Brasil, o número de estudantes fora das universidades e faculdades aumentou de 30% em 2019 para 35,9% no ensino presencial em 2020 – e de 35% para 40% no ensino a distância.
Foi aí que a busca por modelos mais sustentáveis de ensino tornou-se questão de sobrevivência. “As universidades têm precisado se reinventar, reduzindo custos operacionais e diminuindo o valor das mensalidades para permitir a permanência e até mesmo o ingresso de novos alunos”, diz Hoffmann.
Assim como no Brasil, vários outros países não estavam preparados para enfrentar obstáculos inesperados.
A Colômbia é um exemplo de como uma situação momentânea pode comprometer décadas de trabalho. Por lá, a tempestade perfeita surgiu do encontro da Covid-19 com problemas como dificuldades de acesso à internet e desemprego em alta – resultando na falta de recursos para pagar as mensalidades.
O cenário colombiano se repetia em outros países latinos. Resultado: segundo um estudo realizado pelo Center for Latin American & Latino Studies, da American University, a expectativa em 2020 era queda de 10% a 25% no número de matrículas no ensino superior da América Latina.
“Embora existam casos de docentes e instituições que, na sua estratégia educacional, já utilizassem tecnologias, ainda é notada resistência à mudança”, explica o peruano Héctor Escobar, consultor para a América Latina da +A Educação. Doutorando em Economia na Unicamp, Escobar tem 25 anos de experiência como pesquisador, professor e gestor em universidades, centros universitários e faculdades mundo afora – em países como Alemanha, França e Brasil.
Para o especialista, a tecnologia é mecanismo básico para a formação das futuras gerações. Aqui, ele se refere especificamente a plataformas assíncronas, ferramentas sincrônicas e metodologias imersivas que exploram o mundo virtual e democratizam o acesso ao conhecimento.
Avanços assim passam por uma quebra gradual de resistência, motivada pela Covid-19. Segundo Gustavo Hoffmann, mesmo que ainda haja receio em relação à Educação a Distância (EaD), as necessidades financeiras vêm se impondo. E, uma vez rompidas estas barreiras, o caminho não tem volta.
“As instituições encontraram modelos de menor custo e de maior performance. Mas ainda estão se descobrindo”, diz ele. “Os gestores estão cada vez mais abertos para mudar seus modelos educacionais.”
Transformações assim exigem inclusive mudanças culturais – e não apenas a adoção de novas tecnologias. Até porque muitas tecnologias empregadas hoje já estavam disponíveis no mercado. O que faltava, na prática, era um movimento mais vigoroso de busca de metodologias para aprimorar processos de aprendizagem.
Graças ao binômio tecnologia-metodologia, tem sido possível explorar novos modelos pedagógicos.
Modelos assim vêm sendo experimentados pelas melhores universidades do mundo. Na visão de Hoffmann, a hora é de quebra de paradigmas – já que a simples migração do modelo tradicional de ensino para as novas tecnologias não é suficiente para catalisar os processos de aprendizagem.
Nesse contexto, é preciso atentar a especificidades normativas de cada país. Enquanto no Brasil as diretrizes e bases da educação regulamentam apenas o ensino presencial e o EaD, em países como o México existem mais possibilidades. É o caso dos formatos on-line, presencial, misto (híbrido) e de ensino apenas nos finais de semana.
Um dos caminhos para vencer os desafios atrelados à disseminação das tecnologias de ensino está na maior proximidade com os alunos. “Na América Latina, os estudantes precisam conseguir acessar conteúdos previamente, ao seu próprio ritmo, e quantas vezes for necessário”, reflete Hoffmann.
Fonte: Desafios da Educação