A principal tendência que se espraiou com a chegada da pandemia foi o sistema online. O economista Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, diz que a maior em 2022 será a consolidação da transformação digital. “As IES têm que aproveitar o remoto para alternar com o presencial e focar habilidades e competências para atrair os alunos”. Confirmando, a estatística Kellen Morelli, que está à frente das pesquisas do Instituto Semesp, explica que há uma preferência do aluno pelo ensino híbrido. “Pelo menos nas aulas mais teóricas, a grande maioria acha que devia continuar a distância”.
Capelato avalia ainda que o ano vindouro será muito desafiador, com a crise econômica que se amplia, trazendo o impacto da inflação. “Estamos há dois anos sem reajuste das mensalidades, e ainda por cima dando desconto, isso pode provocar uma alta nas mensalidades e trazer uma crise na captação. É necessária muita sensibilidade para o repasse de preços para não piorar a captação”, alerta.
Nesse ponto, o economista acha que a saída das instituições deve ser a de proporcionar o financiamento próprio para os alunos, uma vez que a política pública para isso é quase inexistente. “É preciso criar o seguro educacional próprio, ampliando o prazo de pagamento do curso”, aconselha. Com a vacinação avançada e com a retomada das aulas, possivelmente o lado otimista dos próximos anos seja olhar para a demanda reprimida do segundo semestre de 2020 e do primeiro e do segundo de 2021.
Mesma turma de semestres diferentes = receita dobrada no mesmo curso
Já o reitor do Instituto Mauá, José Carlos de Souza Jr., também defende tese semelhante e, para tanto, criou novos produtos para 2022: vai eliminar o curso noturno e criar cursos de ciência da computação e de sistema de informação e mexer no funcionamento das turmas nos cursos. “Faço um exame no meio do ano para quem quer fazer engenharia. Aí, quando o aluno entra, já vai fazer o segundo semestre porque entrou no meio do ano. Nesse segundo semestre, é aquele que tem cálculo que o pessoal que entrou no começo do ano, faz em um ano. Quando termina esse semestre, o aluno passa para o 2º ano e vai sentar-se junto com o colega que entrou em janeiro, mas não em todas as disciplinas. Em algumas ele vai ficar com quem está no primeiro ano porque não teve desenho ainda, por exemplo”, explica o reitor.
Esse semestre de adaptação permitiu o ingresso de novas receitas duas vezes por ano no mesmo curso, e garante um ganho financeiro sem mexer na qualidade do curso. A pandemia ensinou novos caminhos. “Não tínhamos o credenciamento para EAD, mas fomos empurrados para essa modalidade e sem isso nunca teríamos experimentado ter alunos de outros estados.” José Carlos Jr., o qual ainda reserva sua agenda para dar aula regularmente, acrescenta que o que vai acelerar é o relacionamento com as empresas da região. “Temos sido procurados pelos RHs e vamos passar a buscar mais relacionamento”, diz.
Essa é outra tendência que acredita ser importante para as IES: educação continuada. “Todas as IES devem acordar para as oportunidades de atuar no aperfeiçoamento profissional e na criação de MBA, porque acabou o tempo de que, se formando, escola nunca mais”, conclui o reitor.
Oferecer cursos curtos e pós-graduação, que se mostrou muito atrativo nesse período, são pontos-chave na superação da dependência exclusivamente da graduação, enfatiza Rodrigo Capelato. O ensino remoto permitiu que o Instituto Mauá tivesse pela primeira vez a participação de alunos fora de Paulo.
Usado alternativamente com o presencial, permite o compartilhamento do currículo com outras IES, na forma de cooperação, e até a participação de professores estrangeiros para atrair alunos que possam não enxergar novidade na escola.
E na sala de aula?
Para os próximos anos, a especialista e pesquisadora de sala de aula Thuinie Daros diz que ser digital vai muito além do aparelhamento tecnológico. “Trata-se de uma mudança genuinamente paradigmática refletida na cultura e no mindset materializados no modo como se organiza o currículo e se concretiza nas práticas pedagógicas”.
Autora de livros como A sala de aula digital e A sala de aula inovadora, Thuinie Daros acredita que agora o foco deve ser no desenvolvimento de competências e habilidades, análise de indicadores gerados pelas evidências trabalhados em conjunto com o objetivo de fornecer o máximo de benefícios, melhorar os resultados do aprendizado e otimizar o tempo do professor e de outros setores da escola, preparando os estudantes para as necessidades sociais atuais.
Outra tendência observada pela educadora é o aprendizado personalizado: “Não se trata unicamente de ofertar uma experiência exclusiva de aprendizagem para cada estudante, mas também, como a instituição está acompanhando o percurso de cada estudante, analisando seus estilos de aprendizagem e reunindo dados sobre experiência e preferências de aprendizagem”
Com isso se extraem indicadores-chave de desempenho e resultados da análise de dados para personalizar a jornada do aluno. “Com os aprendizados trazidos pela necessidade de flexibilização e adaptabilidade no cenário da covid-19, podemos afirmar que os modelos catalogados não são suficientes para registrar todas as diversas possibilidades de combinações que a integração do presencial com o online pode oferecer”, diz Thuinie Daros.
Ela defende a criação de objetos de aprendizagem como o microlearning, vídeos, conteúdos em áudios, ensino presencial, ensino telepresencial, atividades síncronas e assíncronas, laboratório de simulações virtuais, roteirização de atividades, semanas de imersões presenciais e online como, por exemplo, palestras presenciais sem interação, aulas de tamanho e formato únicos.
Microlearning
O ser humano possui um limite inerente para a quantidade de informações que pode reter em uma única sessão de aprendizado. Especialmente quando o conhecimento não é abordado novamente ou praticado. A educação tradicional tende a sobrecarregar com longas aulas na expectativa que os estudantes se lembrem de tudo o que acabaram de aprender, o que não acontece na maioria das vezes. “Por isso, o microlearning, que já vem sido cada vez mais praticado, continua como tendência para 2022.”
Microlearning, segundo ela, é uma forma de aprendizagem de repetição espaçada, na qual as lições são divididas em partes menores e repetidas ao longo do tempo. Áudios, podcasts, vídeos, todos de curta duração, são exemplos de objetos de aprendizagem pautados no microlearning. O fato de ser mais curto e direto ao ponto para incorporar novos conceitos e habilidades aumenta significativamente a capacidade de retenção dos conhecimentos.
Regulação
O experiente advogado José Roberto Covac, diretor jurídico do Semesp, lembra que a aprovação do EAD como modalidade de curso em 1996 foi somente para estimular a oferta do ensino a distância, considerando que praticamente não existia. Assim, em 2022, a tendência do ensino a distância e o remoto se consolidarem é inexorável. O Conselho Nacional de Educação tem debatido o tema, com forte tendência da manutenção das diversas formas de oferta de curso superior, respeitada a necessidade de presencialidade nas disciplinas que pela sua natureza não podem ser ofertadas a distância.
5G e reflexos na educação
Para demonstrar que mesmo os conselhos profissionais sendo contra graduação adistância, foi na pandemia que a consulta médica online ganhou autorização, cita a pesquisa realizada pela Johnson & Johnson Medical Devices em parceria com o Instituto Ipsos no Brasil, que conclui: 51% se dizem confortáveis usando o serviço de teleconsulta e 8% muito confortáveis, rompendo um paradigma importante segundo o qual toda atividade na área de saúde só pode ser presencial.
No Brasil, a telemedicina sempre foi alvo de acaloradas discussões e debates na comunidade médica, contudo, com a declaração de calamidade pública, em função do surgimento da pandemia do coronavírus, o Conselho Federal de Medicina e o Ministério das Saúde se renderem à realidade e aceleraram a autorização da prática no país. Isso significa, lembra Covac, que a tendência para os próximos anos é o avanço dessa onda.
Fonte: Revista Ensino Superior