Anna Beatriz Garcia, de 19 anos, divide seu tempo entre estudos, trabalho, aulas de balé e o coletivo cultural do qual faz parte. Negra, a aluna de um colégio público da zona leste paulistana sonha com uma vaga no curso de Moda da Universidade de São Paulo. Nessa corrida de obstáculos, agora conseguiu um apoio extra. Ações afirmativas – como a Lei de Cotas, de 2012 – elevaram a presença dos negros no ensino superior público, mas a disparidade ainda é grande.
Segundo o IBGE, em 2019 a taxa da população preta e parda de 18 a 24 anos que frequentava ou havia concluído a graduação era de 18,9%, ante 35,7% entre brancos. Se o acesso à universidade ainda é um gargalo, é um desafio ainda maior fazer com que o jovem não abandone o curso, por necessidade de trabalhar ou falta de condições de arcar com a vida longe de casa.
Para ajudar na superação desses problemas, surgem cada vez mais programas. Anna ganhou novo apoio porque foi um dos cem selecionados do programa Já É: educação e equidade racial, do Fundo Baobá em parceria com o Citi Foundation, Demarest e Amadi Technology. Lançado em 2020, ele é voltado para jovens negros de São Paulo e região metropolitana, de 17 a 25 anos, no último ano do ensino médio ou que já terminaram e têm interesse de cursar o ensino superior.
“A melhor parte é ampliar a visão de mundo no contato com estudantes de diferentes locais da cidade”, conta a jovem, de São Miguel Paulista, que ainda faz curso técnico e também ajuda a mãe em um restaurante. Por causa da covid-19, ela teve encontros virtuais com os colegas do programa. “A experiência tem ajudado muito a continuar estudando nesse momento caótico da pandemia”.
A iniciativa custeia a mensalidade de pré-vestibular, transporte e alimentação. Além disso, oferece atividades para discutir racismo, espaços para fortalecer as habilidades socioemocionais e mentorias. Voluntários do Citibank e especialistas em black coach dão orientações sobre os processos de acesso à universidade, trilhas que cada um deve seguir, de acordo com o projeto de vida, e também de organização dos estudos neste período.
“As estratégias para superar alguns desafios também podem ser coletivas”, explica Fernanda Lopes, diretora do Fundo Baobá. Segundo ela, os aprovados nas universidades continuarão com o apoio para a permanência no ensino superior. “Os que não forem aprovados continuarão, por um tempo, tendo apoio também”, diz.
Anderson Gavião, de 28 anos, estuda Fisioterapia em uma faculdade privada de Salvador – e tem o desafio seguinte, o de ficar no curso. Ele recebe bolsa de R$600 pelo Programa Prosseguir, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert). “Essa bolsa possibilita que eu tenha um fôlego financeiro. A gente sabe a situação complicada do País”, diz ele, que usa a ajuda para pagar aluguel e alimentação. Na terceira edição, a iniciativa tem patrocínio do Itaú e aposta na permanência acadêmica e na identificação de futuras lideranças negras em universidades públicas e privadas.
Desde 2019, cerca de 130 alunos já foram beneficiados em São Paulo, Rio e Salvador. O próprio jovem já se tornou multiplicador: criou um pré-universitário popular para jovens e adultos negros, com o objetivo de ajudar outras pessoas na busca pelo diploma.
Maior associação de estudantes brasileiros no exterior, a Brasa criou o programa Black Honors, para auxiliar alunos negros do País a estudar em uma universidade do exterior. A iniciativa já atendeu 24 estudantes no exterior e oferece ajuda financeira, mentoria e atividades de desenvolvimento pessoal, acadêmico e profissional. Natan Ferreira, de 19 anos, conseguiu esse apoio para frequentar a Brown University (EUA).
Ele, de uma comunidade na zona norte carioca, está numa espécie de ciclo de estudos na instituição e pretende cursar Ciência da Computação ou Cultura e Mídia Moderna. “É muito gratificante saber que há pessoas investindo em você, que viram potencial e realizações na sua trajetória”, celebra. “A ideia é que com essa ajuda eu possa focar na graduação, para, no futuro, ajudar outras pessoas, seja no Brasil ou fora, a alcançarem o maior nível de desenvolvimento”.
Referência em bolsas, a Fundação Estudar também intensificou o olhar mais inclusivo às questões raciais e de gênero nos últimos quatro anos. Segundo a gerente da rede de Líderes Estudar, Patrícia Aguiar, a mudança foi impulsionada pelo movimento dos próprios bolsistas. “A gente tenta olhar para a trajetória desse jovem, considerando o ponto de partida, para entender o que ele construiu até agora, e como a gente projeta para o futuro como entrega de potencial.
Onde encontrar as bolsas:
– Ceert: www.ceert.org.br/- Fundo Baobá: baoba.org.br/- Brasa: www.bolsas.gobrasa.org/- Fundação Estudar: www.estudar.org.br/
Fonte: O Estado de S. Paulo.