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Decorridos um ano e três meses de pandemia, a reabertura das escolas segue hesitante. Por boas e conhecidas razões: a vacinação avança lentamente, o deslocamento de funcionários da educação eleva o risco de contágio e a situação sanitária fora de controle inibe passos mais ousados para as aulas presenciais. A incerteza jogou o ensino remoto, adequadamente caracterizado como emergencial, para o centro dos debates. O viés, em geral, é crítico: falta acesso aos alunos mais vulneráveis, não houve formação suficiente, perde-se muito em interação e se enfraquece a relação entre aluno e professor.

Tudo isso é verdade e, como quase tudo no momento em que vivemos, o saldo na educação também é negativo. Ainda assim, é possível olhar para modificações bem-vindas dessa entrada forçada da tecnologia no ambiente educacional. Há provocações que a experiência com o ensino online trouxe para a própria ideia de aula, e que podem ser incorporadas no retorno – quando ele for seguro – à modalidade presencial.

De cara, ficou evidente que a mera transposição das aulas presenciais para o ensino remoto não funcionaria. Na berlinda, as aulas expositivas. Professores e professoras perceberam rapidamente que o tempo de atenção de suas turmas diante de uma tela era menor do que em sala de aula. Longas explicações, de 30, 40, 50 minutos, se tornam inviáveis ou improdutivas: não há perguntas, câmeras se fecham, pessoas saem da conversa. Indicativos claros de que ter o educador como protagonista incontestável não era o caminho.

Sabe-se há tempos que esse tipo de educação, chamada de bancária por Paulo Freire, não é adequada também para o presencial. Um ensino que tenha o aluno como foco precisa colocá-lo em postura ativa e não como mero espectador. O que tenho ouvido é que a aula online deixa isso muito evidente. Se na sala de aula as longas explicações costumam ser entremeadas por uma ou outra pergunta, um aceno de cabeça e pequenos comentários – sinais que com uma certa dose de autoengano podem indicar que o educador tem a atenção da classe -, no ambiente digital essas manifestações estão ausentes. Atire o primeiro mouse o professor que, depois de uma apresentação de power point, não mandou um tem alguém aí? à classe em silêncio.

O relativo fracasso dessas primeiras experiências levou à modificação de cursos inteiros. De minha experiência pessoal e de outros colegas, posso dizer que as aulas hoje são mais bem equilibradas. Ainda existe a exposição de conteúdos, porém breve, focada em pontos essenciais e, não raro, como fechamento da aula, uma espécie de arremate conceitual. Porções generosas de tempo são dedicadas, agora, à atividade dos próprios alunos. Em vez de puxar lousa, o docente inicia a aula com um problema ou questão desafiadora. Dá aos alunos espaço para elaborarem suas hipóteses, que a seguir serão postas à prova com exercícios práticos, leituras em sala, apreciação de vídeo com comentário oral ou escrito. Tem dado certo. Entre os alunos, são comuns as falas de aumento do engajamento e do interesse.

Em comentário sobre as obras de Jean Piaget (1896-1980), provavelmente a referência mais renovadora para a educação do século 20, os pesquisadores Howard Gruber e Jacques Vonèche listam as atividades que poderiam ser consideradas essenciais a um método piagetiano, que almeja pôr crianças e jovens no centro da aprendizagem: aluno em interação com o professor, aluno em interação com seus pares, aluno em interação com materiais diversos (livros, experiências práticas, desafios intelectuais etc.). Nenhuma menção àquilo que muita gente considera como sinônimo de aula: a parte expositiva, o cuspe e giz. Por vias tortas, tortíssimas, a educação se modificou: para muitos de nós, foi preciso uma pandemia para que sentíssemos na pele que se aprende pouco com a postura passiva de apenas ouvir alguém falar e projetar uma sequência enfadonha de slides.

Os frutos dessa boa descoberta ainda são incertos. Há sempre o risco de que, finalizado o pesadelo, voltemos a fazer o que sempre fizemos. Seria um equívoco, pois o que sempre fizemos foi o que nos trouxe até aqui. Será um ganho incorporar essas aulas mais equilibradas e centradas no aluno ao ambiente energético que só uma sala de aula pode proporcionar. Devemos, sim, falar das mazelas, mas a educação tem muito a evoluir com uma avaliação detalhada daquilo que surpreendentemente melhorou durante a pandemia.

Fonte: Rodrigo Ratier / Portal UOL

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