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Racismo estrutural, evasão escolar, crise laboral e lacuna digital.

Essas são as quatro frentes de combate apontadas pelo estudo “Desafios e oportunidades para a inclusão produtiva dos jovens-potência na cidade de São Paulo”, feito pelo programa Global Opportunity Youth Network (Goyn), liderado pelo Instituto Aspen, em parceria com a Accenture Brasil, na busca de mitigar o abismo que separa jovens da periferia e seu potencial produtivo e criativo de acessar o mercado de trabalho de forma competitiva.

Divulgada com exclusividade pelo Estadão, a iniciativa foi articulada pela United Way Brasil â organização de governança participativa que reúne 15 empresas e 3,5 mil pessoas físicas com a missão de criar oportunidades para as futuras gerações brasileiras. Por meio de um processo colaborativo que envolve organizações como Itaú Educação e Trabalho, Instituto CocaCola Brasil e Fiesp, o projeto mapeou o ecossistema da juventude na periferia da capital paulista e sintetizou recomendações para apoiar a inclusão produtiva de mais de 700 mil desses jovens até 2030.

“Alguns países ainda vivem o final do bônus demográfico de ter uma grande quantidade de jovens e o Brasil é um deles”, explica Gabriela Bighetti, diretora executiva da UW Brasil. Ela fala que trabalhar na inclusão agora fará com que o País tenha uma situação diferente em 10 anos. Os desafios, no entanto, exigem soluções sistêmicas e em escala.

“São parafusos chave muito complexos e poderosos em que precisamos mexer para a engrenagem funcionar”, avalia.

Segundo Gabriela, o racismo estrutural faz com que o jovem não largue na mesma linha do que o restante. Esse racismo é denunciado pelos números. Segundo o estudo, somente 34,3% dos jovens negros e 44,1% das jovens negras entre 18 e 20 anos completam o ensino médio em São Paulo, em comparação com 53,7% dos homens brancos e 62,6% das mulheres brancas.

Agravada pela pandemia, a evasão escolar é outro ponto crítico. O estudo destaca que 26% dos jovens entre 15 e 29 anos da cidade não possuem instrução ou não completaram o ensino fundamental, 24% saíram antes do fim do ensino médio e apenas 13% cursaram o ensino superior. Entre os moradores das regiões periféricas das zonas leste e sul de São Paulo, onde vivem 70% desses jovens, a situação é ainda mais grave: apenas 4% fizeram ensino superior.

Afastados da sala de aula, sem apoio e com uma estrutura de ensino a distância deficiente, os alunos da rede pública enfrentam um quadro geral de desmotivação.

“A distância entre o jovem que abandonou o ensino médio e as vagas de trabalho é enorme”, afirma a diretora. A lacuna digital é mais uma preocupação.

Quem vai gerar emprego no médio prazo é a economia digital â e o déficit de profissionais na área, que deve precisar de 300 mil novos profissionais até 2024, está fazendo com que empresas já olhem o problema de frente e invistam por conta própria na capacitação tecnológica de jovens.

Sem conectividade, porém, muitos sequer têm conhecimento dessas oportunidades. Ainda de acordo com o levantamento, 42% dos domicílios paulistanos em situação de alta vulnerabilidade (825 mil moradias) não possuem banda larga fixa, restando apenas o acesso móvel, muitas vezes instável, e 39% dos alunos das escolas públicas não possuem tablet, notebook ou computador.

Inclusão produtiva

O projeto foi além de colher dados e evidências e dividiu os resultados em dois grandes grupos de soluções.

No primeiro, mapeou iniciativas que já existem no apoio a empreendedores da periferia para a periferia, na modernização do ensino, no acesso ao mercado para carreiras digitais e na infraestrutura de conectividade. São exemplos como a ONG Gerando Falcões, o projeto de transformação tecnológica Meu Futuro Digital, a Agência Mural de Jornalismo nas Periferias, o coletivo de jornalismo Nós e o Mulheres da Periferia.

No segundo grupo, foram reunidas 70 organizações para entender o que deve ser feito e criar novas soluções pensadas coletivamente.

Para que esse brainstorming fosse direto ao ponto, no entanto, era necessário trazer o jovem para o centro da discussão.

O Goyn selecionou 20 entre 200 candidatos vindos dos mais diferentes cantos da periferia paulistana para criar o Núcleo Jovem do projeto, que se organizou para falar do que eles realmente precisam, traçar estratégias e colocar as ideias em prática ao lado das organizações parceiras.

Entre eles, estão a estudante de Direito Estela Reis, de 22 anos, moradora do Jardim Ângela, o estudante de Letras Lucas Gregorio, de 20 anos, do Campo Limpo, e o rapper e poeta Henrique Madeiros, de 20 anos, do Grajaú, todos na zona sul de São Paulo.

“Enfrentamos de tudo, dos problemas de ensino, saúde e violência à falta de acesso a cultura e lazer, então esses projetos precisam chegar também através das escolas e ONGs que estão nos bairros”, defende Estela, que ingressou na Universidade Anhanguera com uma bolsa de 100% do ProUni (Programa Universidade para Todos).

Contratado como assistente no projeto há três meses, Gregorio conta que sempre foi estudioso e “meio nerd”; entrou na USP por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), em que instituições públicas oferecem vagas a participantes do Enem.

“A gente está em situação de vulnerabilidade social, mas não se coloca no lugar de coitadinho”, diz ele.

A partir desse Núcleo Jovem do Goyn, nasceram protótipos que entram em ação ainda neste mês, conta Gabriela Bighetti. “Vamos aprender, ver o que funciona e caminhar com eles em escala em 2022.” São soluções como a Digitalis, plataforma digital que une jovens a ONGs que oferecem formação e empresas com vagas.

Para Diogo Tsukumo, gerente de articulação do Itaú Educação e Trabalho, a parceria em rede é o segredo para mudanças efetivas. “Ser parceiro institucional do Goyn SP é unir forças com uma rede de instituições e empresas que têm o objetivo comum de fazer um investimento na juventude e incluir os jovens no mundo de trabalho de forma digna”, diz.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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