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Conseguir alguns minutos na agenda de Adam Grant não é fácil. O professor de psicologia organizacional de Wharton, escola de negócios da Universidade da Pensilvânia, além de ter se tornado um dos autores mais populares na área de gestão dos últimos anos – com cinco livros na lista dos mais vendidos do “New York Times” -, é também um dos consultores mais disputados do momento. Entre seus clientes estão Google, NBA e Gates Foundation.

Os números de Grant impressionam. Suas TED Talks foram vistas por 30 milhões de pessoas. São mais de 5 milhões de seguidores nas redes sociais e seu podcast “Worklife” reúne 1 milhão de ouvintes por episódio. Semana passada, ele apareceu de novo entre os primeiros colocados na lista dos Thinkers50, que reúne os pensadores mais influentes da atualidade.

Seu último livro, “Pense de Novo” (editora Sextante), fala sobre o poder de reaprender e rever conceitos. Foi sobre ele que Grant falou em evento do grupo Votorantim neste mês. Depois da apresentação on-line, ele concedeu entrevista ao Valor, onde falou sobre o modelo híbrido de trabalho, os mitos sobre a eficácia do brainstorming em grupo e como as empresas deveriam disseminar os experimentos dos funcionários da pandemia. A seguir os principais trechos:

Como as companhias podem aproveitar as novas conexões entre as pessoas que surgiram com o trabalho remoto na pandemia?

Nós provavelmente aprendemos mais sobre novos modos de trabalho no último ano e meio do que em toda a década anterior. Nós vemos pessoas conduzindo seus próprios experimentos em como se manter produtivo de casa, encontrar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, em tentar colaborar a distância. Mas não estou vendo tantas organizações perguntarem: “bom, o que você tem feito nos últimos meses que te fez aprender algo, que novas práticas deveríamos espalhar e compartilhar, que velhas rotinas deveríamos jogar fora?”. Para mim, o grande novo papel que precisaremos ter é o do “chief learning officer”, ou o líder de aprendizado. Parte desse papel é supervisionar e descobrir esses novos pequenos experimentos feitos por uma pessoa ou por um time, e então descobrir quais deveriam ser escalados e expandidos. Acho que essa é uma grande oportunidade que a maioria das empresas está perdendo.

Na sua opinião, quais são as vantagens no modelo híbrido de trabalho?

As vantagens acho que estão bem documentadas a essa altura. Adoro o experimento de Nick Bloom no call center da CTrip, empresa na China. Isso foi antes da pandemia. Nesse estudo, eles distribuíram aleatoriamente centenas de funcionários para trabalharem de casa. E o resultado foi que eles foram 13% mais produtivos e 50% menos propensos a se demitirem. E muito disso foi porque eles faziam menos pausas. Por serem gratos à flexibilidade, eles responderam com lealdade, comprometimento e foco. Essas são as boas notícias. A má notícia é que eles também tinham 50% menos chances de serem promovidos, provavelmente por não terem um tempo “cara a cara” com os gerentes sêniores. Então acho que, obviamente, ser híbrido vai provocar isso. Tenho ouvido também muitos executivos frustrados dizendo “sabe, não dá para aprender realmente esse trabalho ou essa cultura antes de passar um bom tempo em uma mesma sala com alguém”. Teve um escritório global no ano passado que testou uma solução muito boa para esse problema. Eles contrataram cerca de 1.300 estagiários em 16 cidades no mundo e determinaram, de forma aleatória, que alguns deveriam ter uma reunião mensal virtual que eles chamaram de “virtual water cooler” (algo como conversa na copa). Um check-in mensal de 30 minutos com um gerente sênior. Os que tiveram esse check-in no fim gostaram mais do estágio e tiveram mais chance de serem efetivados, além de terem recebido avaliações de desempenho melhores. Isso veio do aprendizado que você tem quando consegue 30 minutos para conversar com um gerente sênior. Você pergunta, absorve alguns conhecimentos implícitos, tudo isso permite que você percorra a curva de aprendizado de forma mais rápida. Para mim, isso sugere que não precisamos apenas ter a chance de aleatoriamente nos encontrarmos com alguém da empresa, o que precisamos é estruturar esse tempo não-estruturado em um mundo híbrido.

Como se estrutura isso?

Tendo reuniões no calendário sem pauta definida, de modo que as pessoas possam ensinar umas às outras. Estou começando a ver líderes dizerem “tenho duas horas bloqueadas na sexta, então você pode aparecer virtualmente se quiser” e acho que essa é uma ótima maneira de democratizar o acesso, de forma que profissionais juniores, que nunca mandaram um e-mail para o líder, possam se sentir confortáveis em fazer perguntas. Também me parece uma ótima forma de os líderes aprenderem com pessoas com as quais não teriam contato normalmente.

É possível manter a criatividade das equipes em modelos de trabalho virtuais?

Nas últimas décadas, muitos pesquisadores têm estudado o brainstorming e o principal achado é que se você colocar as pessoas para pensarem sozinhas, em vez de em grupo, você tem mais ideias e ideias melhores. Eu sei de três principais problemas com o brainstorming em grupo. Um deles é o “bloqueio da produção”, podemos todos falar ao mesmo tempo e algumas ideias se perdem. O segundo é “ameaça ao ego”. Não quero parecer um idiota, então fecho minha boca e não te digo minhas ideias mais originais. O terceiro é “pressão para se conformar”, que é chamada de “efeito hipo”. É um acrônimo em inglês para “highest paid person’s opinion” [opinião da pessoa mais bem paga]. Ou seja, assim que a opinião do líder é conhecida, todo mundo quer dar apoio e o resultado é muito pensamento convergente e pouca divergência. E isso só piora para pessoas que não têm poder ou status, então se você é a única mulher não-branca, por exemplo, em um time dominado por homens brancos, se você é a pessoa mais júnior na sala ou mesmo se você é o introvertido em um grupo de extrovertidos – tudo isso torna muito mais difícil superar esses três problemas.

Existe uma forma de fugir dessa situação?

A solução é fazer o que se chama de escrita do cérebro (brain writing). Nesse caso, damos às pessoas os problemas e as deixamos trazer suas ideias de forma independente. Então, você junta o grupo para avaliar e refinar o que cada um trouxe. O que os dados mostram é que assim você consegue mais ideias, mais variedade, qualidade e originalidade. E aí você deixa o grupo fazer o que ele faz melhor, que é pegar a sabedoria das multidões e ver quais daquelas possibilidades valem realmente a pena tentar. O que mais gosto do virtual é a janela de chat. Não posso te dizer quantas reuniões eu tive nas quais tínhamos uma grande decisão para tomar ou que precisávamos de ideias criativas. Então, eu dava os primeiros 10 minutos para cada um digitar seus pensamentos no chat para depois ler para o grupo discutir. Mesmo as pessoas mais quietas começaram a contribuir, e se você disser para os líderes seniores não mandarem suas ideias logo de cara, eles podem aprender em vez de influenciar o grupo. É uma maneira sutil de manter a criatividade e torná-la ainda melhor.

Muitos profissionais na pandemia começaram a repensar sua relação com o trabalho e o emprego. Quais os benefícios de se fazer isso e o quão cuidadosos devemos ser para não agirmos apressadamente?

Esse repensar é muito importante e acho que há mais de dez anos as pessoas já queriam mais flexibilidade onde trabalham, e também com o que, com quem e o quanto trabalham. E também pensar sobre os propósitos e as prioridades. Acho que um lado bom da pandemia é que junto com toda a experimentação, tivemos essa janela de oportunidade para pensar de novo. E as pessoas perceberam que poderiam morar em uma cidade ou em um país diferente, que talvez quisessem um outro emprego. Certamente vimos com resignação todas essas pessoas se demitindo. Muitas experimentaram um pouco dessa liberdade e perceberam que queriam mais. Muitas estão se tornando empreendedoras, outras estão se juntando à economia freelancer ou à economia criativa. Mas acho que precisamos ser cuidadosos para não nos precipitarmos.

Tem um estudo que acabou de sair, feito na Austrália, em que os autores selecionaram mais de 6 mil pessoas que se demitiram voluntariamente e as acompanharam por cinco anos para saber como elas se sentiam. Na média, apesar de terem se demitido por não estarem felizes com o emprego, elas ficaram ainda menos felizes depois de um ano no novo trabalho. A satisfação delas caiu. Há alguns fatores para isso. Um deles é que elas se sentiam menos pertencentes a um grupo. Quando você entra em uma empresa nova ou então parte para trabalhar sozinho, você deixa sua comunidade para trás e muitos subestimam o impacto disso. Outro fator é que essa mudança é intensa em muitos casos. Às vezes, além de sair do trabalho, elas mudavam de lugar, às vezes sua situação financeira mudava e isso gerava conflito entre trabalho e família.

Eu nunca iria querer que alguém ficasse em um trabalho miserável ou com um chefe abusivo ou em uma cultura tóxica, mas acho que, especialmente agora, as pessoas estão saindo de empregos bem decentes pensando que a grama do outro lado é mais verde. Mas aí elas descobrem que todo trabalho tem seus problemas, que todo chefe tem defeitos e às vezes elas se arrependem de ter saído do emprego tão rápido. Então meu conselho em relação a isso seria fazer o que minhas colegas Amy Wrzesniewski e Jane Dutton chamariam de “customização do trabalho” (job crafting): antes de repensar completamente sua vida no trabalho, vale a pena se perguntar se há formas de redesenhar o trabalho que você já tem, de uma maneira que consiga usar mais os seus pontos fortes, ter oportunidades para atuar em outros tipos de problemas ou com outras pessoas. Você pode tentar isso antes de sair de vez.

Fonte: Valor online

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